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Pe. Alexandre Palma
Ómega
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«Para quem navega sem destino, todo o vento lhe é contrário» (Séneca). Nisto estará uma das razões que explicam algo acerca das contrariedades com que nos vemos hoje confrontados: vivemos como que sem destino. Movemo-nos muito, mas sem saber muito bem para onde. A agitação da vida moderna com frequência mais não é que um rodopiar sobre si próprio que nos perpetua no mesmo sítio, com a agravante de nos deixar desorientados. Em consequência, acabamos por navegar mais guiados pelas contingências dos ventos e das marés que propriamente pelos mapas e pela vontade de chegar a um porto, a um bom porto. Não navegamos, portanto. Limitamo-nos a girar por aí como um barco à deriva. Então, nada nos pode ser propício. Tudo se transforma em contrariedade. Digo-o, obviamente, a respeito da nossa vida colectiva. Não o digo menos dos percursos individuais de vida.

O esquecimento dos fins é, de facto, um traço característico da nossa cultura ocidental. Esta adoptou aquilo que na linguagem clássica se chamou de «causa eficiente» (que nos explica a origem do que existe) e deserdou a chamada «causa final» (que nos diz para quê é que algo existe). Com a modernidade, deslumbrámo-nos com a nossa capacidade de explicar «como são as coisas» e fomo-nos esquecendo daquela outra pergunta, não menos decisiva: «para que são as coisas»? Por certo também porque, com o tempo, se foram fragmentando os entendimentos da vida e do mundo e, portanto, se foi tornando cada vez mais difícil dar-lhes uma meta que a todos congregasse. E ainda, há-que dizê-lo, porque para alguns não existe uma tal meta da vida. Para lá das raízes do fenómeno, a verdade é que perdemos muito da nossa capacidade de projectar as nossas vidas não apenas a partir do que as explica na origem, mas também a partir do que as ilumina como o seu fim.

Dito assim, admito que tudo isto possa parecer uma abstração sem impacto concreto sobre o nosso viver. Creio, contudo, que os efeitos nocivos de um viver sem finalidade são bem concretos e vão-se tornando cada vez mais evidentes. No campo da ética, onde falta um horizonte à acção do Homem, este mais facilmente se torna um lobo para o próprio Homem (como reza a sentença de Plauto: homo homini lupus). No campo da acção socio-política, essa ausência é pasto fértil para a fragmentação social e para a defesa de interesses particulares, não do bem comum. Chegando ao vértice da crise que, como país, atravessamos (social, política, económica, mas sobretudo de cultura e civilização), percebemos que o que nos vai escasseando é precisamente um horizonte que dê sentido a todos os sacrifícios que nos impomos e que nos impõem. Para responder aos desafios do hoje nacional torna-se decisivo que reflitamos muito seriamente sobre «o País que queremos ser» (como justamente sugeriu a Comissão Nacional Justiça e Paz). Na própria acção eclesial se manifesta tantas vezes esta ausência de finalidade que nos deixa à mercê do imediato, mais continuadores do presente que antecipadores do futuro. Não menos perturbante são as vidas, individualmente consideradas, que carecendo de um sentido digno de ser tido como tal, se gastam nos meios por nunca lhes terem encontrado um autêntico fim.

Importa, pois, recuperar a pergunta pelas metas da nossa vida e da nossa actividade. Importa recuperar a «causa final» do viver, o «para quê do mundo». Importa levantar o olhar da estreita porção de terra onde temos hoje postos os pés e fixa-lo, mais longe, na linha do horizonte. É isto que, para S. Gregório de Nissa, distingue o Homem dos animais: só ele é capaz de olhar o horizonte, essa linha onde o céu e a terra se beijam. Para isto mesmo nos aponta a Revelação cristã. Nela, Deus não surge apenas como o nosso alfa. Surge também como o nosso ómega (cf. Ap 21, 6).