Artigos |
Guilherme d’Oliveira Martins
A Solidariedade Voluntária
<<
1/
>>
Imagem

A solidariedade voluntária é um apelo a que cada um não se limite a esperar por soluções que apareçam a partir ou de um deus ex‑machina, que é o Estado, ou de uma realidade mirífica centralizada e burocrática. Trata‑se de compreender que a solidariedade para ser clara e inequivocamente assumida por todos tem que ser voluntária. E, depois, temos de perceber que a justiça distributiva, cerne do Estado de cidadania, deve ser vista como uma justiça distributiva horizontal, isto é, entre todos os contemporâneos, nós e os nossos parceiros, os nossos próximos, mas, simultaneamente, tem de ser vertical entre gerações diferentes. E o certo é que não funcionou esta verticalidade da justiça distributiva, nomeadamente a propósito do imediatismo das sociedades que viveram acima das suas possibilidades e para além daquilo que criavam. Esta verticalidade da justiça distributiva aponta para uma equidade entre gerações. Portanto, trata-se de assegurar uma melhor distribuição dos recursos entre todos os que estão na mesma sociedade, combatendo a exclusão, mas, simultaneamente, garantindo que a justiça distributiva envolva uma atenção especial relativamente aos nossos descendentes, aos nossos sucessores, às gerações futuras que não podem ser esquecidas. Estamos perante a equidade intergeracional. Daí que, quando se fala em sustentabilidade dos regimes de apoio social e do meio ambiente, referimos a necessidade de estar profundamente atentos para não destruir recursos que são essenciais para as gerações que nos vão seguir. A encíclica Caritas in Veritate refere-o com especial ênfase.

Em 1972, em Estocolmo, teve lugar a primeira Conferência Mundial sobre o Homem e o Meio Ambiente e foi dado o grito de alerta: não era possível continuar a destruir o meio ambiente, porque só há uma Terra e não podemos esgotar os recursos, privando as gerações futuras desses elementos irrepetíveis. Este grito de alerta é de 1972, no entanto, a Humanidade destruiu mais o meio ambiente desde então até hoje, do que tinha acontecido desde o princípio da Humanidade até essa altura. Daí referir a necessidade de falar de responsabilidade social e solidariedade? Não apenas na lógica imediata de curto prazo, mas no médio e longo prazos. Não podemos esquecer a passagem dos Actos do Apóstolos que descreve como viviam os primeiros cristãos, administrando as riquezas em comum e partilhando-as. Os bens têm de ser postos ao serviço de todos.

Para o meio ambiente, as comunidades locais têm um contributo importante mas insuficiente. A subsidiariedade é considerar, em cada nível, o meio adequado de acção. A subsidiariedade é, no fundo, não pôr o mundo às avessas, não criar burocracia para resolver os problemas que devem ser decididos próximo das pessoas e dos cidadãos. Impõe-se dar solução aos problemas no nível adequado, com uma visão de conjunto e uma perspectiva global. Paulo VI, na encíclica Populorum Progressio, usa uma fórmula extraordinária: desenvolvimento é o novo nome da paz, o que significa que não pode haver desenvolvimento se não houver justiça ou se houver indiferença em relação à exclusão, se continuarmos a assistir indiferentemente ao aumento das desigualdades.

Falar de solidariedade voluntária é dizer, no fundo, que se o Estado tem uma dimensão excessiva nos dias de hoje não deve ser substituído pela lógica mercantil mas por mais economia social e por mais responsabilidade das pessoas. Esse o desafio essencial que não poderemos esquecer.