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P. Duarte da Cunha
Da JMJ ao dia a dia
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Depois da JMJ, que foi um acontecimento único, especial, impossível de esgotar em palavras ou análises, e em que mesmo as memórias nunca conseguirão dizer tudo o que aconteceu, eis-nos com o grande desafio de viver a fé, experimentada com tanto entusiasmo nesse acontecimento extraordinário, dentro do quotidiano ordinário! 

Os grandes eventos são fundamentais, diria mesmo que sem eles a fé esmorece e a vida torna-se rotineira, mas o valor destes momentos especiais está na força que dão ao quotidiano. Não são especiais se uma vez acabados deixam de interessar ou influenciar. 

Sobretudo os eventos que têm Deus no centro, quando bem vividos, introduzem algo de novo na vida de cada pessoa que os viveu. Como diz o salmista: “visitastes a terra e a regastes, enchendo-a de fertilidade. Por onde passastes brotou a abundância. Tudo canta e grita de alegria” (Sal 65). 

 

Agora que passou a Jornada, mas ainda está fresca em nós a memória de tudo o que aconteceu, é tempo de avaliar, no sentido mais profundo. Avaliar não é só ver o que correu bem ou mal, mas ver o efeito na nossa vida, ver os horizontes que foram abertos, as pessoas que conhecemos e as ideias que nos tocaram mais para reter todo o bem presente. A nossa fé foi desafiada, mas mais ainda, foi alimentada, e sai diferente porque nós saímos diferentes. 

 

É muito importante recordar que a nossa fé é sempre vivida dentro da história, dentro da nossa história pessoal e da história do mundo. Não está à frente da história ou por cima dela, não olha para a vida de fora, mas acontece e amadurece dentro da história, dentro do que nos acontece. A JMJ foi um momento marcante da história de Lisboa e de Portugal, mas a sua incidência é maior quanto maior for a abertura do coração com que foi vivida por cada um de nós. Quer os que fizeram muitas coisas na sua preparação, quer os que participaram em vários momentos ou encontraram muitos peregrinos, têm agora a oportunidade de recolher frutos. Mas, até a pena de não ter vivido tão bem quanto se gostaria é já uma certa experiência capaz de produzir frutos. O que não vale é a indiferença! 

 

Daqui brota a necessidade de discernir bem. Seja o que for que nos acontece: uma experiência forte ou um acontecimento tranquilo do quotidiano, tudo deve ser olhado com atenção, para não ficarmos à superfície. Esta tarefa é fundamental e é importante não nos deixarmos influenciar por slogans ou títulos de jornais, mas tentarmos penetrar no âmago da experiência vivida para recolher os apelos de Deus. Quer dizer que temos de olhar para o que acontece através de momentos de sossego e de oração, mas também é bom conversar com outros, porque juntos vemos aspectos que sozinhos não teríamos sequer reparado. O objectivo, contudo, não é só construir um elenco de coisas que aconteceram ou ideias que foram comunicadas, pretendemos ir mais longe. 

Num passo sucessivo, temos, portanto, de confrontar isso que aconteceu com o nosso coração. Mas atenção que quando aqui falo de coração não estou a falar apenas dos sentimentos que nos podem levar a dizer que foi giro ou maçador, mas daquilo que o coração humano encerra no seu mais íntimo, ou seja, falo de uma série de grandes exigências que encontramos em nós: exigência de Verdade, de Bem, de Beleza, de Justiça! Se o que aconteceu responde de algum modo a estas exigências, estamos no bom caminho e o evento revela-se em toda a sua grandeza.

Vem, finalmente, o passo decisivo sem o qual o discernimento não está completo! Porque a fé é vivida dentro da história, é importante que destes acontecimentos saia uma decisão de viver melhor. Faz parte da fé estar interessada e activa na história, a fé é autêntica quando nos leva a estar mais empenhado na vida do dia a dia, nas amizades, na família, nos lugares de trabalho ou estudo; quando nos faz ter mais profundidade na vida interior e reforça os laços das relações humanas. É também aqui que nasce o empenho missionário. Aliás, este começa por ser resposta ao desejo de partilhar com outros o vivido e vontade de convidar outros a conhecerem Aquele Jesus que tocou de modo novo a nossa vida. Esta vontade de passar à ação e que se manifesta na pergunta: “que queres que eu faça, Senhor?” é testemunho de que a Jornada foi mesmo um grande dom de Deus para quem a viveu, mas que, através desses, também pode agora chegar aos que não se deram conta ou não perceberam o que estava a acontecer.

 

P. Duarte da Cunha

 

foto por Arlindo Homem/JMJ Lisboa 2023