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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
São José e a paixão de Cristo
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É sabido que São José já tinha falecido quando Jesus padeceu, morreu e ressuscitou. É até muito provável que tenha morrido antes do primeiro milagre de Cristo, em Caná da Galileia, porque nesta ocasião o esposo de Maria já não estava presente, o que não seria lógico se fosse vivo, porque foram convidados Nossa Senhora e o seu filho, que compareceu na companhia de alguns dos primeiros discípulos (Jo 2, 1-11).

São José não participou presencialmente na paixão, morte e ressurreição de Cristo, mas não é contraditório supor, contudo, que esteve espiritualmente presente. Com efeito, não é difícil imaginar que tanto Nosso Senhor como sua Mãe o tivessem recordado nesses tão aflitivos momentos. O exemplo do Santo Patriarca foi para ambos, decerto, estímulo para que também eles cumprissem em tudo a amabilíssima vontade de Deus, como São José sempre fizera, com tanto sacrifício e amor.

Quando se esgotaram todos os expedientes a que Pôncio Pilatos deitou mão para evitar a condenação à morte de Jesus, pronunciou a fatal sentença à pena capital, com a infamante condição de ser crucificado entre dois ladrões (Jo 19, 17-18).

A esta humilhação acrescia ainda a de transportar a Cruz em que iria ser pregado. Talvez só levasse sobre os seus ombros a trave lateral, porque a vertical, sobre a qual se fixaria a transportada pelo condenado, já estaria no local. Nesse momento, também se afixaria o título da condenação que, neste caso, foi uma afirmação explícita da realeza de Cristo – Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus (INRI) –  e da universalidade do seu reino, porque escrita em hebraico, latim e grego. Disso se aperceberam alguns sacerdotes, que ainda instaram, sem êxito, junto de Pilatos, para que alterasse a inscrição (Jo 19, 19-22).

É provável que a Jesus, quando pegou na Cruz que levou sobre os ombros até ao lugar da crucifixão, lhe tenha ocorrido um pensamento relativo aos anos em que fora carpinteiro, em Nazaré (Mc 6, 3). De facto, um carpinteiro, facilmente consegue reconhecer uma madeira: pela sua aparência, peso, textura e também pelo seu olfacto, como me confidenciou um meu amigo, excelente marceneiro alemão radicado na Ericeira. De forma análoga, por formação profissional, um médico tende a diagnosticar as pessoas com quem se cruza; um alfaiate aprecia os fatos dos transeuntes; um barbeiro observa os cortes de cabelo, barbas e bigodes; e, um político, vê votos.

Se Jesus, ao pegar na trave em que ia ser crucificado, reconheceu logo a sua origem e natureza, também se lembrou de quem lhe tinha ensinado a distinguir as diferentes madeiras e fora o seu mestre no ofício: São José. E essa lembrança, cheia de carinho e saudade, explica duas características que sobressaem da paixão de Cristo: o silêncio de Jesus, durante a sua paixão e morte, e a sua extraordinária fortaleza. Ambas evocam São José, de quem não se conhece uma única palavra que tenha pronunciado, e sabe-se a extraordinária coragem com que enfrentou os enormes desafios a que foi submetido. Pensando em seu pai adoptivo, Jesus encontrou a força necessária para cumprir, silenciosa e amorosamente, a sua missão, como sempre vira fazer São José que, deste jeito, esteve afinal muito presente na paixão e morte de Jesus.

Mas, decerto, Jesus não foi o único a ter presente o Santo Patriarca naquele tão doloroso transe. É provável que também Nossa Senhora o tenha sentido por perto, o que explicaria a sua extraordinária rijeza junto da Cruz de Jesus, onde esteve de pé (Jo 19, 25). Sustinha-a a sua inabalável fé em Deus, o seu inexcedível amor a Jesus, a sua vibrante paixão pela salvação da humanidade, mas também a sua saudosa recordação de José, que tanto a tinha amparado durante a aflição da perda de Jesus adolescente, até ao seu reencontro no templo (Lc 2, 41-50).

Que neste tempo de perseguição anticlerical não falte à Igreja, sobretudo nas pessoas das vítimas de abusos e dos padres injustamente perseguidos, a fortaleza orante e silenciosa de São José, que não em vão é Padroeiro da Igreja universal.

 

P. Gonçalo Portocarrero de Almada