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P. Duarte da Cunha
O Papa Bento XVI e a Europa
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Com a morte do Papa Emérito Bento XVI, diante dos desafios que temos todos diante de nós no início do ano 2023, voltei a recordar o que ele disse e fez pela Europa. A sua preocupação em relação à Europa, como sobre qualquer outra realidade, foi a de começar por procurar perceber de que se trata. Só depois abordava questões éticas ou dava recomendações.

Conhecer a história da Europa e a identidade que os vários povos que aqui se foram juntando e relacionando, tantas vezes em guerra, mas também tantas vezes unidos em alianças, tornou-se indispensável. Mas a história não é só uma sequência de acontecimentos, também é a compreensão que as pessoas e, consequentemente, também as comunidades e as nações foram tendo de si a ponto de se poder dizer que existe uma ideia de Europa encarnada na vida dos europeus.

Percebia-se nele um amor ao Continente onde nasceu, mas também creio que se pode dizer que ele via clara a missão que a Europa continuava a ter na história do mundo, mesmo que precisasse, e precise ainda, de redescobrir o que é, e de reconhecer o mal que espalhou no mundo sempre que esqueceu a Verdade de Deus e do homem. Aparece frequentemente em Bento XVI, como Papa e antes de o ser, uma firme convicção de que a verdade da fé não é uma questão privada ou sentimental, mas algo que tem um carácter público e é profundamente razoável. Isso torna-se muito evidente no modo como fala da Europa.

Ele gostava de insistir que a Europa une três heranças num diálogo profundo a ponto de elas se unirem e constituírem uma nova herança chamada a criar civilização. Em primeiro lugar, a busca da verdade que vem de Atenas e do amor desta à razão; em segundo lugar, a organização social e a importância da justiça fundada na dignidade da pessoa que vem da Roma Antiga; e, por fim, a experiência da presença de Deus, isto é, de uma fé que se experimenta como encontro pessoal com Deus e que chega de Jerusalém, ou seja, da fé judaica e do seu coroamento no cristianismo com Jesus Cristo.

É pelo facto de ver que esta unidade era fundamental que ele também criticava a viragem que aconteceu com a Revolução Francesa, quando se pretendeu exaltar a razão desligando-a do conhecimento de Deus e se julgou possível uma sociedade governada por um Estado fundado apenas na vontade dos cidadãos. Com isso, “Deus e a Sua vontade deixam de ser relevantes para a vida pública”, disse um dia.

Entre o muito que li e ouvi deste Papa a falar da Europa, considero essencial o discurso que fez em Santiago de Compostela no dia 6 de Novembro de 2010. Desse lugar, onde em 1982 o Papa João Paulo II se tinha dirigido num grito à Europa: “Volta a encontrar-te. Sê tu mesma. Descobre as tuas origens. Reaviva as tuas raízes. Revive aqueles valores autênticos que tornaram gloriosa a tua história e benéfica a tua presença noutros continentes.”

O Papa Bento, nesse mesmo lugar, disse: “A Europa deve abrir-se a Deus, ir ao seu encontro sem receio, trabalhar com a sua graça por aquela dignidade do homem que tinham descoberto as melhores tradições: além da Bíblia, fundamental nesta ordem, também as da época clássica, medieval e moderna, das quais nasceram as grandes criações filosóficas e literárias, culturais e sociais da Europa.”

O Papa, porém, tinha como primeiro interlocutor a Igreja e, por isso, recordava que esta deve contribuir para o bem e para o futuro da Europa com algo de específico. “Qual é o contributo específico e fundamental da Igreja para a Europa, que percorreu no último meio século um caminho rumo a novas configurações e projectos? A sua contribuição centra-se numa realidade tão delicada e decisiva como esta: que Deus existe e que é Ele quem nos deu a vida. Só Ele é absoluto, amor fiel e indeclinável, meta infinita que resplandece por detrás dos bens, verdades e belezas admiráveis deste mundo; admiráveis mas insuficientes para o coração do homem. Compreendeu bem isto Santa Teresa de Jesus quando escreveu: «Só Deus basta». (...) É com isto que a Igreja deseja contribuir para a Europa: velar por Deus e pelo homem, a partir da compreensão que Jesus Cristo oferece de ambos.”

Nestes dias, em que o Senhor chamou o Papa emérito para entrar no definitivo da vida, vale a pena voltar a pensar no que disse para reavivarmos a responsabilidade que temos como europeus e como Igreja.

 

P. Duarte da Cunha