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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Santos, carecas e ovos!
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No passado dia de São Calixto, mártir, soube, pela Rádio Renascença, que era também o dia internacional do careca e do ovo!

Uma das características deste tempo pós-moderno, que alguns pretendem que seja também pós-cristão, é a substituição do calendário dos santos pelas mais variadas comemorações. São tantas as causas a reclamarem uma data própria, que poucos dias do ano haverá ainda disponíveis. Não se percebe facilmente o que se pretende com uma comemoração anual dos carecas, que certamente não encontrarão nesse seu dia nenhum especial consolo para a falta de cabelo; nem qual o mérito que justifica ou, pelo menos, explica, a coincidente celebração do dia internacional do ovo, a não ser que este seja a imagem natural da calvície, no seu maior esplendor.

A Igreja não só tem um calendário recheado de santos, mártires e beatos, como celebra anualmente a solenidade de todos os santos, que é, depois de ter deixado de o ser por alguns anos, feriado nacional. Esse dia, que melhor do que nenhum outro, se poderia apelidar, se a expressão não fosse em si mesma contraditória, do orgulho cristão, cumpre o piedoso propósito de recordar aos fiéis militantes todos os que já gozam da visão beatífica, não para benefício destes, pois nada lhes acrescenta o nosso louvor, mas para nosso proveito pois, na sua vitória, encontramos alento para perseverar no bom combate da fé.

Na verdade, os bem-aventurados não apenas foram habilmente substituídos por outras efemérides no calendário universal, como também retirados das igrejas. De facto, nos antigos templos abundavam os altares aos mais variados santos, geralmente representados em imagens que faziam até mais acolhedoras as nossas igrejas e capelas que, pela abundância dessas representações, pareciam lares de uma numerosa família cristã: quem não tem, na sua casa, fotografias dos seus maiores, ou dos que, tendo já partido, mais saudades deixaram?! Mas os novos templos estão habitualmente despidos, não apenas dos altares laterais, o que se explica em termos litúrgicos, mas também das imagens dos santos, remetidos para as esconsas sacristias, senão mesmo vendidos a peso para um qualquer antiquário, ou comerciante de velharias.

Não estranha, portanto, que esteja em declínio a devoção aos santos: longe da vista, longe do coração! Talvez seja esta a razão dos nomes próprios pagãos nas famílias católicas, em vez dos tradicionais nomes cristãos, que estabeleciam uma espécie de parentesco espiritual entre o recém-nascido e o santo do seu nome. Na vizinha Espanha, era costume festejar o santo do próprio nome, que se sobrepunha à data do aniversário, o que muito facilitava o conhecimento do santoral. Era este um uso social muito prático porque, em vez de saber a data de nascimento de familiares e amigos, bastava conhecer o calendário para felicitá-los no dia do seu santo homónimo.

Talvez se possa pensar que esta maior sobriedade no culto dos santos é mais um sinal dos tempos, mas uma observação mais atenta não só não confirma essa hipótese, como a desmente. Com efeito, é habitual que um adolescente decore o seu quarto com ‘posters’ daqueles que são as suas principais referências: tradicionalmente, os rapazes preferem os campeões desportivos, ou as mais bonitas actrizes; enquanto as raparigas escolhem, em princípio, os cartazes com os seus cantantes favoritos, ou os mais atraentes ‘príncipes encantados’ dos conjuntos musicais ou das séries da moda. Seja como for, ambos apreciam essas imagens profanas que, de algum modo, pretendem que sejam inspiradoras das suas vidas. Não seria preferível que tivessem, como referências, os santos, como Jacinta e Francisco Marto, Pier Giorgio Frassati, Chiara Badano, Carlo Acutis e tantos outros?!         

Sem desconsiderar as efemérides laicas, que também as há justificadas, seria conveniente que se avivasse a devoção aos santos, nestes tempos difíceis em que tantos insistem em nos recordar a nossa dolorosa condição de pecadores. Não só na Eucaristia diária se poderia recordar o santo que nesse dia se festeja, como também as rádios católicas podiam referir o principal santo de cada dia, dando a conhecer, de forma resumida, a sua vida e pedindo a sua intercessão. Com efeito agora, que abundam os ídolos, precisamos, mais do que nunca, dos nossos santos!

 

P. Gonçalo Portocarrero de Almada