A Economia de Comunhão – uma proposta lançada, há 30 anos, pela fundadora do Movimento dos Focolares, Chiara Lubich – “pode ser uma resposta” à atual crise. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, o presidente da Associação por uma Economia de Comunhão em Portugal refere que esta proposta desafia as empresas a utilizarem parte dos lucros no combate à pobreza, sobretudo em projetos de desenvolvimento. “Sabemos que um dos fatores importantes para tirar as pessoas da pobreza é através da formação, educação”, assegura José Maria Raposo.
Como apresenta a Economia de Comunhão?
A Economia de Comunhão nasce no âmbito do Movimento dos Focolares, através da sua fundadora, Chiara Lubich, que, ao visitar, em 1991, São Paulo, no Brasil, vê os arranha-céus rodeados por favelas. Como tinha vários encontros com os membros do movimento, encontrou-se com os empresários e lançou-lhes um desafio, dizendo-lhes: “Há tanta pobreza e vocês são aqueles que criam riqueza, ponham os vossos bens à disposição destes pobres. Se houver essa comunhão de bens, então, conseguiremos resolver o problema da pobreza”. Este desafio teve um grande acolhimento, não só no Brasil – onde foi lançado –, mas depois, em todas as nações onde o movimento está. Houve uma adesão, de coração, de muitos empresários que se predispuseram. Esta matriz é fundamental para a Economia de Comunhão.
Já por altura do nascimento do movimento, em 1943, em Trento, as primeiras companheiras de Chiara, e ela própria, juntavam à mesa os pobres e punham-lhes a melhor mesa possível. Portanto, a preocupação com os pobres vem da génese do carisma do movimento.
Como é que esta Economia de Comunhão acontece, na prática?
Olhando para este aniversário dos 30 anos da Economia de Comunhão (ver caixa), fica-me muito claro que aquilo que nós estávamos ali a viver era um apontar para os desenvolvimentos próximos. Eu via ali, efetivamente, com expressão na economia, um carisma de unidade, com estas características de revolucionar o pensamento económico, pondo as empresas com a finalidade de ter lucro e distribui-lo pelos acionistas e sócios, mas também com uma função social, que é de apoio aos pobres. Como isso se faz? Cada empresa é livre de o fazer e pode fazê-lo de várias maneiras. Depois, consoante os diferentes continentes e realidades, que variam de país para país, e de região para região, a abordagem à pobreza varia também. Mas a intenção de Chiara foi que uma parte dos lucros fosse utilizada para várias finalidades, entre as quais a assistência à pobreza, mas também a projetos de desenvolvimento e formação, que pudessem dar dignidade às pessoas. E sabemos que um dos fatores importantes para tirar as pessoas da pobreza é através da formação, educação.
Neste processo, há uma coordenação geral, em Itália, que recebe parte destes lucros e os canaliza para projetos de desenvolvimento e onde há maior necessidade. Há uma Organização Não Governamental (ONG), a AMU – Ações para um Mundo Unido –, que cria projetos de desenvolvimento e, portanto, parte destes donativos, destas partilhas, desta comunhão, é feita através de projetos desta ONG. É claro que isso não tira o papel local. Os empresários sentem que a melhor maneira de tirar as pessoas da pobreza é dando-lhes trabalho, dentro dos condicionalismos que existem.
Qual a ligação entre a Economia de Comunhão e a Economia de Francisco?
Eu diria que tem tudo a ver. A Economia de Comunhão nasce também da coparticipação de outros organismos e também se identifica com os objetivos que o Papa colocou e que também têm a ver com a pobreza e com a preocupação por uma economia que não crie descartes, que não mate. Sempre estivemos presentes no apoio à intenção do Papa, que tem os mesmos fins.
Sobre os números, é possível sabermos quantas empresas estão implicadas neste projeto?
Em 2017, tivemos uma audiência com o Papa Francisco que abordou esse tema do número. Nessa audiência, disse-nos que éramos poucos, mas que, na verdade, são os poucos que, às vezes, fazem com que as ideias se difundam. As mudanças de ordem espiritual não estão ligadas a grandes números. O Papa disse-nos que devíamos ser como o sal, o fermento, mantendo o princípio ativo.
Em termos internacionais, o número de empresas ligadas à Economia de Comunhão são mais de mil. A nível nacional, temos o ‘núcleo duro’, composto por meia dúzia, e existem algumas empresas que simpatizam com a ideia e que colaboram connosco em algumas situações. No Centro Nacional do Movimento, no Centro Mariápolis, em Abrigada - Alenquer, fizemos um pólo empresarial que foi construído com o apoio de algumas empresas. Porque quando sentem seriedade nos projetos, que pretendem chegar aos necessitados, as pessoas são generosas.
Como tem sido a adesão das empresas a esta proposta? De onde surge a iniciativa?
Ao longo destes anos, a minha experiência tem sido esta: ao ouvirem falar da Economia de Comunhão, muitas entidades pedem-nos para fazermos uma apresentação do que é este projeto porque desperta muito interesse e também muitas dúvidas sobre como uma empresa pode viver com as características que nós propomos. Têm havido muitas iniciativas de fora, através de entidades, associações, que nos solicitam para fazermos apresentação e discutirmos. Também nós propomos fazer algumas, tal como aconteceu neste dia 29 de maio, mas têm sido mais pontuais.
Esta proposta pode continuar a ser uma resposta eficaz, mesmo para a crise económica e social que enfrentamos? Estando o lucro cada vez mais comprometido, a adesão a esta iniciativa não poderá ser dificultada?
Está a tocar num ponto importante. As crises, de facto, fazem com que haja empresas que não consigam sobreviver. A Economia de Comunhão também traz uma característica que é a comunhão entre empresas. Aqui, em Portugal, temos exemplos de apoio a outras empresas que necessitavam de financiamento e de suporte de empréstimos bancários, comprometendo-se com o aval. Eu acho que a Economia de Comunhão pode ser uma resposta porque, efetivamente, promove a comunhão. Não é só a comunhão dos bens para os mais necessitados, mas é também uma comunhão entre as várias empresas. Diria que é a vida de comunhão que se expressa em vários níveis, quer o pessoal, quer o empresarial, dentro e fora delas. O que quero dizer com isto é que não faria muito sentido que as empresas fizessem uma comunhão de bens para fora, se elas próprias não refletissem, dentro delas, esta característica. Se todas as empresas fizessem isso, não tenho dúvidas de que resolveríamos muitos problemas.
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O desafio passa pelo “trabalho em rede”
Para assinalar os 30 anos da Economia de Comunhão, o Movimento dos Focolares organizou, na tarde de sábado, 29 de maio, uma iniciativa online que, primeiramente, a partir de Loppiano, Itália, apresentou alguns testemunhos e intervenções que desafiaram a projetar a iniciativa para o futuro. De seguida, a partir de Abrigada, em Alenquer, a iniciativa reuniu alguns convidados para uma mesa redonda, onde foi deixado o apelo para um “trabalho em rede”, segundo explicou o presidente da Associação por uma Economia de Comunhão, José Maria Raposo.
No encontro que assinalou os 30 anos da Economia de Comunhão, quais foram os principais desafios deixados?
Em termos internacionais, e falando de ‘coração quente’, foi muito interessante ouvir o professor Stefano Zamagni [professor de Economia e presidente da Pontifícia Academia das Ciências Sociais] que tocou num ponto que sabemos necessitar desenvolver. Quando o projeto foi criado, Chiara disse logo: ‘Atenção, porque nós temos que dar dignidade à Economia de Comunhão estudando a economia, desenvolvendo teoria económica’. O professor Zamagni veio reforçar isto, dizendo que é necessário dar suporte económico a esta ideia que já tem 30 anos, que se foi desenvolvendo, adaptando-se em cada país e de acordo com a evolução histórica do mundo.
O outro desafio tem a ver com os jovens. Dois dias depois de Chiara se encontrar com os empresários, há 30 anos, no Brasil, encontrou-se com os jovens e, de certa maneira, passou-lhes a ‘bandeira’ da Economia de Comunhão, dizendo-lhes que eles eram agentes de difusão e que podiam fazer esse percurso ao tornarem-se adultos. De facto, têm existido várias iniciativas, no sentido de trazer os jovens para a Economia de Comunhão. Aliás, a Economia de Francisco tem tido uma grande expansão e grande acolhimento por parte dos jovens.
A partir do painel da tarde, que decorreu em Portugal, que pistas foram deixadas?
Saliento o reconhecimento que foi feito à Economia de Comunhão, o que me deixou bastante sensibilizado. Houve o desafio deixado pela coordenadora da Economia de Francisco, Rita Sacramento Monteiro, ao propor ser feito um trabalho em rede. Esse é um desafio importante! E nós, enquanto Movimento dos Focolares, somos um movimento de unidade, nascemos para um mundo unido e temos, no nosso ADN, como carisma, construir pontes com todos. Este desafio colhe-nos e diz-nos muito. É um caminho que será crítico se quisermos uma economia diferente e que vá ao encontro daquilo que são os objetivos do Papa.
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