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Pedro Vaz Patto
Abençoar ou não abençoar

Uma enorme contestação tem suscitado o documento da Congregação para a Doutrina da Fé, aprovado pelo Papa Francisco, que declarou que a Igreja não tem legitimidade para abençoar uniões homossexuais. Na verdade, o documento reafirma a doutrina perene da Igreja, que sempre reprovou a prática sexual fora de um contexto conjugal, uma doutrina baseada na Escritura, proclamada pelos sucessivos Papas e exposta no Catecismo. Essa doutrina pode evoluir no sentido de um desenvolvimento ou aprofundamento, mas não através de ruturas ou contradições. E são de estranhar reações contestatárias de quem tem especiais deveres de obediência a essa doutrina (desde logo bispos e sacerdotes).

A razão de ser da resposta da Congregação para a Doutrina da Fé é afirmada na nota explicativa que a acompanha. Basicamente, aí se afirma que a Igreja não pode «aprovar ou encorajar uma escolha e prática de vida que não podem ser reconhecidas como objetivamente ordenadas aos desígnios divinos revelados» e que uma união homossexual não pode ser equiparada (como, de algum modo, significaria a bênção de tais uniões) ao matrimónio «como união indissolúvel de um homem e uma mulher aberta por si à transmissão da vida».

Na verdade, na ordem da criação, a sexualidade tem um desígnio, um sentido e uma finalidade. Desse desígnio, faz parte a dualidade sexual e a comunhão, física e espiritual, entre duas expressões do humano (a masculina e a feminina) que se completam e enriquecem reciprocamente: uma unidade a partir da mais elementar das diferenças. E desse desígnio também faz parte a ligação entre essa comunhão de amor e a geração da vida: dessa comunhão de amor nasce a vida e a vida nasce dessa comunhão de amor. Trata-se de um desígnio que, na sua ordem, harmonia e beleza, deve ser respeitado, e não contrariado.

Pode associar-se tal desígnio à “ecologia humana”, a partir da afirmação de Bento XVI na encíclica Caritas in Veritate (n. 51): «o livro da natureza é uno e indivisível, tanto sobre a vertente do ambiente, como sobre a vertente da vida, da sexualidade, do matrimónio, da família, das relações sociais, numa palavra, do desenvolvimento humano integral».

Mas importa também salientar outros aspetos deste documento.

Também nele se afirma o respeito e solicitude para com as pessoas de tendência homossexual. Não só porque não se rejeita a bênção sobre essas pessoas quando «manifestem a vontade de viver na fidelidade aos desígnios revelados por Deus, assim como propostos pelo ensinamento da Igreja». Mas também porque se afirma que, embora não abençoe o pecado, «Deus não deixa de abençoar cada um dos seus filhos peregrinos neste mundo, porque para Ele somos mais importantes do que todos os pecados que possamos cometer» (esta referência aos “pecadores” não é, como davam a entender certas notícias, relativa apenas a pessoas com tendência homossexual, mas a todas as pessoas, a todos nós).

Há que considerar, por outro lado, o que a propósito afirmou o cardeal Kevin Farrel, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida: o facto de não puderem ser abençoadas uniões não matrimoniais não significa que a ação pastoral da Igreja não se estenda a todas as pessoas, todas elas devem beneficiar dessa ação, todas devem ser acolhidas de braços abertos e acompanhadas com solicitude. Não é por uma pessoa não se encontrar num estado de vida não plenamente conforme à doutrina da Igreja que esta lhe deverá fechar a porta.

É esta abertura da ação pastoral da Igreja a todas as pessoas que caracteriza a visão do Papa Francisco, e não, ao contrário do que alegam muitos dos seus críticos e alguns dos seus apoiantes, a rutura com a doutrina perene da Igreja.