Juventude |
Jornada Diocesana da Juventude
Se queres misericórdia, sê misericordioso
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No Domingo, 10 de abril, os pés pisaram as ruas de Cascais mas os corações já estavam em Cracóvia. Foram 1300 jovens, de todas as partes da diocese, que partilharam mais uma Jornada Diocesana da Juventude (JDJ). Queriam aprender a ser misericordiosos, a meio caminho da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), marcada para julho, na Polónia.

 

São muitos, são sempre muitos, em grupos, a sorrir, a cantar. No Mercado da Vila, em Cascais, já se ouvem as vozes de alegria de quem encontra velhos amigos, de quem sente que não está só. No palco montado no meio do recinto largo e estendido, o grupo musical Sentinelas da Manhã, de Alfeizerão, canta e faz cantar.

O hino a exultar a misericórdia ultrapassava as paredes vestidas das cores da juventude. E respondia-se com braços levantados, sorrisos, gritos e alegria à pergunta do dia: “Quem vai à Jornada Mundial da Juventude?”.

Entretanto, D. Manuel Clemente, o Cardeal-Patriarca de Lisboa, já anda pelo meio dos jovens. Fotografia aqui, duas palavras ali. Não tarda nada e está em cima do palco, no já habitual encontro com os jovens que, sentados no chão, de pernas cruzadas, escutam-no.

 

A misericórdia é um exercício

Sentado, de microfone na mão, o Cardeal-Patriarca começa por dar luz à bem-aventurança que dá tema ao dia, ‘Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia’. “A misericórdia é ter um coração voltado para o que é frágil, para o que se pode cuidar”, explica. E para os cristãos, “Jesus é a misericórdia em pessoa”. “Assim como Jesus é o olhar de Deus neste mundo, nós descobrimos naqueles que nos olham com o olhar de Jesus essa presença e essa misericórdia”. Uma experiência que D. Manuel contou ter vivido ali, naquela tarde. “Em alguns grupos por aí eu redescobri o olhar de misericórdia de Jesus que já conhecia há muito tempo. Um olhar de acolhimento, companhia, misericórdia”, diz, a sorrir.

Afinal, “os olhos que Deus tem para olhar o mundo, que olhos hão-de ser que não os olhos dos seus discípulos?”. Por isso, lembra D. Manuel Clemente, “é muito importante” perceber “a misericórdia não como uma especulação mas como uma experiência”. E garante: “Nenhum de nós estaria aqui, se não tivesse sido já parado pelo olhar de misericórdia de Deus”.

Nesta conversa com os jovens, o Cardeal-Patriarca fez notar ainda que “a misericórdia é um exercício” e que desperta sempre uma questão: “Onde é que o meu olhar pousa para ser um olhar de misericórdia?”. “Não quer dizer que é um olhar ingénuo mas que, para além de tudo, está disponível para recomeçar, que não desiste”. Um olhar que incide “no que incomoda, no que dá trabalho”. Mas este não é um exercício solitário. “Deus dá-nos a força toda para que isso aconteça. Deus não desiste, nós também não”.

Terminavam assim 10 minutos a escutar. Agora, era vez dos jovens. Foram vários os que se ergueram para perguntar a D. Manuel o que lhes ia no coração: “Como suportar o sofrimento?”. “Como solucionar os problemas de quem sofre no mundo?”. “Como viver as crises de fé?”. As respostas iam chegando: “Sabes o que é a misericórdia, sê misericordioso. Deus é uma realidade não uma especulação”. É preciso “preferir o que Jesus preferiu” e não esquecer que “a misericórdia é um compromisso concreto”. Até porque “com Jesus Cristo é possível responder a uma situação difícil. Não podemos ficar à espera de uma resposta global”. “Mais do que perguntar-me onde é que eu posso encontrar misericórdia, é eu próprio ser sinal de misericórdia. Se começarem por vocês, vão conhecer essa misericórdia. Vocês estão rodeados de mais misericórdia do que pensam. A misericórdia é uma linguagem. Se eu falo misericórdia, eu oiço misericórdia. Se eu quero misericórdia, eu tenho que ser misericórdia”, garantia o Cardeal-Patriarca. O desafio é sempre o mesmo: todos os dias, “ser o olhar de misericórdia de Deus”.

 

Há vida na doença

A tarde continua. Os mais de mil jovens são encaminhados para cinco workshops que, sendo todos diferentes, assentam numa base comum: viver na misericórdia.

No Museu do Mar, é Isabel Galriça Neto que fala numa sala cheia, onde não sobra uma cadeira. Médica, deputada na Assembleia da República e coordenadora da Unidade de Cuidados Paliativos do Hospital da Luz, começa sem dúvidas: “Deus é enorme e cada vez vou tendo mais a certeza disso. É enorme e misericordioso e essa misericórdia não tem fim”. Conta que trabalha com pessoas em fim de vida. E lamenta que a partir do momento em que “a medicina se focalizou na cura” tenha começado a “deixar para trás as pessoas que não se curavam”.

Mas “Deus não nos deixa para trás porque é misericordioso, porque haveremos de deixar para trás os mais vulneráveis?”, pergunta. E se não há cura, “então o que fazer aos doentes?”. Isabel garante que “a medicina pode fazer com que não estejam em sofrimento disruptivo, intolerável”. E “isso começa por sermos muito bons a fazermos esses tratamentos”, explica.

E não se chega lá somente com “amor e carinho”. Até porque disso “todos precisamos”. Amor e carinho “não tiram falta de ar, insónia, angústia”, diz. “É preciso treino, preparação”. Isto porque, para além dos sintomas, “as causas de sofrimento podem ser solidão, gavetas desarrumadas, sentir que já não contam. Múltiplas perdas”. Por isso é tão importante procurar compreender o outro. “Se eu não perceber porque é que a pessoa sofre, dificilmente vou poder chegar até ela para a ajudar”.

Isabel garante que “há muitos preconceitos em relação aos cuidados paliativos” e lembra que “existem pessoas em sofrimento desnecessário”. Mas frisa: “nós não acabamos com o sofrimento. O que ninguém quer é que o sofrimento seja de tal maneira disruptivo que não saibamos o que fazer com ele”.

E apela: “É uma obrigação de todos ajudar que os que estão ao nosso lado não estejam num sofrimento que os impeça de ver que a vida pode ter um sentido, que nós existimos uns para os outros. Que não vamos acabar com o sofrimento dos outros mas vamos baixá-lo para níveis de tolerância que nos permitem receber o afeto, conviver, entender que a vida faz sentido”.

Mas é importante “não julgar as pessoas que estão em sofrimento tal, que possam achar que querem morrer”. Até porque “querer morrer é uma reação legítima de fuga. Querer morrer não é o mesmo que querer ser morto. É um pedido angustiado de ajuda. Não para que se acabe com a vida mas que se ajude a viver de outra maneira”.

E alerta: “Ter direito a morrer com dignidade é uma falácia. Quer dizer ser morto por outra pessoa”.

Depois de lembrar que “a eutanásia não acaba com o sofrimento, acaba com a vida”, Isabel termina como começou: “Deus é enorme. Digam-no muitas vezes”.

 

Lançar as redes

De volta ao Mercado da Vila, é hora da Eucaristia. E é o momento para D. Manuel Clemente apelar novamente: “Temos diante de nós um lago com muitos peixes para salvar. Mas por nós não pescamos nada”. É preciso “reunir e salvar toda a qualidade de gente mas só com a ordem de Jesus conseguimos fazê-lo”.

E “tudo somado é uma questão de O amarmos a sério e assim ser o seu sinal de Pastor que toma conta de todos”. E é preciso pôr em prática: “Todas estas palavras que escutamos são palavras de hoje para serem ouvidas e praticadas. Veja cada um como estas podem ser ouvidas”.

Mas é importante lembrar sempre que “não vamos sozinhos”. O mar é feito de muitos. Até porque “sozinhos não fazemos nada”, garante o Cardeal-Patriarca. “Connosco nada, com Jesus tudo. Com ele, à sua ordem, lançamos as redes” que são para “congregar toda a gente, para sermos mais alimentados por Ele numa faina que só terminará quando Ele quiser” e que “há-de ser quando se salvar toda a gente”.

Perante milhares de caras sorridentes, cheias de energia, D. Manuel lançava o apelo do dia para o ano da misericórdia e para a vida: “O mar está aí, a rede é para se lançar”.

  

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Workshops na JDJ

Os cinco workshops da Jornada Diocesana da Juventude, em Cascais, foram um dos pontos altos da iniciativa organizada pelo Serviço da Juventude do Patriarcado de Lisboa.

 

- ‘Misericórdia, I’m livin’it’, pelo padre Jorge Sobreiro, pároco da Ramada, na igreja dos Navegantes

- ‘Assim como nós perdoamos’, por Filipe d’Avillez, jornalista da Rádio Renascença, moderado pelo padre Rui Valério, pároco de Póvoa de Santo Adrião e Missionário da Misericórdia, na igreja de Cascais

- ‘Há vida na doença’, por Isabel Galriça Neto, médica, deputada na Assembleia da República e coordenadora da Unidade de Cuidados Continuados e Paliativos do Hospital da Luz, moderado por João Clemente, membro da Equipa do Serviço da Juventude, no Museu do Mar

- ‘Olho por olho, dente por dente?’, por Teresa Quintela de Brito, professora na área do Direito Penal na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Universidade Nova de Lisboa, e Maria do Rosário Pascoal, procuradora da República e membro da Equipa do Serviço da Juventude, no Teatro Gil Vicente

- ‘Ninguém disse que o amor era fácil’, por Eugénia e Fernando Magalhães, pais adotivos de uma criança - hoje jovem - com deficiência, moderado pelo padre Miguel Ribeiro, Espiritano e administrador paroquial de Abóboda, no auditório da Casa das Histórias - Paula Rego

texto por Clara Nogueira; fotos por Gonçalo Magalhães
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