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Cónego José Ferreira (1918-2016)
“Fosse o que fosse, tudo ele reconduzia ao mistério pascal do Senhor Jesus”
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Foi o “nome da renovação litúrgica” implementada no Patriarcado de Lisboa, após o Concílio Vaticano II. O cónego José Ferreira faleceu no passado dia 6 de março, aos 97 anos, com o Cardeal-Patriarca a recordar o legado do ‘padre Zé’, fruto de uma convivência de 32 anos.

 

Com uma vida de sacerdote conduzida, em grande parte, pela dedicação à formação do clero, o cónego José Ferreira deixou um legado considerado muito importante na aplicação da reforma litúrgica, após o Concílio Vaticano II, não só no Seminário dos Olivais e no Patriarcado de Lisboa, mas também em todo o país. Ordenado, em Lisboa, no ano de 1941, a vida do padre José Ferreira, segundo o Cardeal-Patriarca D. Manuel Clemente, foi “verdadeiramente a realização do legado do Cardeal Cerejeira, quando disse: ‘não deixeis morrer a liturgia, que foi flor desta casa [Seminário dos Olivais] e coisa nova em Portugal’, referindo-se à liturgia anterior ao Concílio Vaticano II, mas já com muitos prenúncios da reforma que havia de ocorrer mais tarde”. Na Missa das Exéquias do cónego José Ferreira, no passado dia 7 de fevereiro, no Seminário dos Olivais, D. Manuel Clemente lembrou os 32 anos de convívio próximo com o padre José Ferreira e memorou o seu contributo para a reforma litúrgica, na Diocese de Lisboa, após o Concílio Vaticano II. “Desde os anos 30 que o Seminário dos Olivais foi marcado pela sabedoria de monsenhor Pereira dos Reis (primeiro reitor), profundamente incluído no movimento litúrgico que depois daria o resultado da reforma litúrgica do Vaticano II, que foi verdadeiramente uma reforma, isto é, o retomar – tanto quanto possível – a forma inicial da liturgia cristã. Se houve alguém, dos muitos alunos que teve monsenhor Pereira dos Reis, que captou integralmente, de alma e coração, esta mesma prospecção, ideia, foi o jovem José Ferreira”, sublinhou o Cardeal-Patriarca, reforçando a importância do clérigo para diferentes gerações de seminaristas: “Toda a minha geração seminarística pode testemunhar como foi exatamente assim. Mesmo a tradição litúrgica, anterior ao Concílio Vaticano II, que persistiu no Seminário dos Olivais e nas suas participações na Sé de Lisboa e noutros lugares, até meados dos anos 60, estava quase perdida. Já não se ia à Sé, já não se sabia cantar à ‘moda antiga’ e ainda não se tinha aprendido a ‘moda nova’ e por isso estávamos um pouco suspensos. Com que paciência, mas sobretudo com que entusiasmo, o padre José Ferreira nos moveu para que tudo recomeçasse. Não só em casa, através canto, mas também na Sé de Lisboa, com a participação litúrgica que, a pouco e pouco, foi retomada até chegar aos nossos dias. Isso tem um nome: chama-se padre José Ferreira”.

 

Reunido o povo

Do tempo em que foi aluno do padre José Ferreira, D. Manuel Clemente recorda um dos trechos mais apreendido pelo então professor de pastoral litúrgica. “Se quisesse tomar um trecho que defina o que o padre José Ferreira ensinava e insistia tanto, vou buscá-lo à Sacrosanctum Concilium – Constituição Conciliar sobre a Sagrada Liturgia, no número 6: ‘Desde então [Pentecostes], nunca mais a Igreja deixou de se reunir em assembleia para celebrar o mistério pascal’. Recordo-me que nas aulas, quando o padre José Ferreira comentava a instrução geral do Missal Romano, o número 47 era o mais difícil de continuar porque gastava aulas apenas com esse número e logo com a primeira frase: ‘Reunido o povo (...) começa o cântico de entrada’. O padre José Ferreira insistia na celebração litúrgica como um ato eclesial, um ato de Igreja que a exprime e que a constrói. E isso passou, passou por todos nós”, lembrou o Cardeal-Patriarca de Lisboa, sublinhando a dimensão pascal na liturgia que foi transmitida, ao longe de dezenas de anos, pelo cónego José Ferreira: “Fosse o que fosse, tudo ele reconduzia ao mistério pascal do Senhor Jesus, para que fosse autêntico e cristão. A noção de mistério pascal é muito querida ao movimento litúrgico do século XIX para o século XX, e agora para o século XXI. Tanto isso ele nos transmitiu neste Seminário dos Olivais e para todo o país, em particular nas Semanas Nacionais de Pastoral Litúrgica, em Fátima, em que ele se dava de alma e coração. Todos nós que tivemos a graça de o conhecer, absorvemos esta verdade. Tanto que nós devemos ao padre José Ferreira...”.

 

Presença de sabedoria

O cónego José Ferreira chegou ao Seminário dos Olivais, como seminarista, em 1936. A ligação à casa de formação da diocese manteve-se até 2014, ano em que foi viver para a Casa Sacerdotal. Decorria o ano de 2009 quando, por ocasião de uma festa de finalistas do seminário, um jovem seminarista pediu ao cónego José Ferreira para deixar algumas palavras, sobre o ministério sacerdotal, aos jovens que dentro de poucos dias se preparavam para serem ordenados sacerdotes. Incisivo, o cónego José Ferreira recomendou que fossem corajosos. “Que entrem com coragem, porque no fim é que saberão responder a essa pergunta. A vida é feita de experiência e só se sabe definir, vivendo-a. Quem está agora a começar uma vida sacerdotal tem, com certeza, ideias definidas diante dos olhos. É segui-las, com generosidade e constância e na certeza de que nós só sabemos definir as coisas quando chegamos ao fim delas. Mas para se chegar ao fim tem que se caminhar com coragem, com persistência, com ideias que nos conduzam”, recomendou o cónego José Ferreira, no ano em que tinha completado 68 anos de sacerdócio.

No Seminário dos Olivais, a sua presença, embora debilitada nos últimos anos, foi um testemunho de sabedoria, não só para os seminaristas mas também para a equipa formadora. O padre José Miguel Pereira, atual reitor do Seminário dos Olivais, recorda ao Jornal VOZ DA VERDADE os últimos anos em que viveu com o padre José Ferreira, no Seminário. “Foi uma presença de sabedoria, de ouvir alguns reparos, algumas memórias. Estes últimos anos foram também uma fase em que nos era pedido um acompanhamento mais próximo, motivado pela sua perca de mobilidade e de forças”, recorda este sacerdote, com 44 anos, que conheceu, enquanto seminarista, o padre José Ferreira. “Do que nos transmitiu, marcou-me o sentido da liturgia, na centralidade do mistério pascal, para percebermos que a liturgia não é o fazer coisas mas é o ir mergulhando, pelos gestos e pelos ritos, na vida pascal de Jesus Cristo, e como isso se comunica na nossa fé e como vai transformando as nossas relações. Deu-nos a consciência de que aquilo que se passa na assembleia da terra está unida, de forma muito viva, à assembleia do Céu, daqueles que já celebraram antes de nós e que no Céu também participam nesse mistério diante de Deus”, lembra o padre José Miguel.

As recordações do cónego José Ferreira também estão presentes na Casa das Servas de Nossa Senhora de Fátima, na Quinta do Candeeiro, anexa ao Seminário dos Olivais. A irmã Gabriela, superiora da casa religiosa, realça a importância que o padre José Ferreira teve para a congregação. “Temos muito boas recordações do padre José Ferreira, que conhecemos há dezenas de anos”. É a este sacerdote que presidia frequentemente às celebrações eucarísticas na casa religiosa, que as irmãs atribuem “todo o legado litúrgico” que receberam.

  

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Perfil

José da Costa Ferreira nasceu em 1918, em Paço, Torres Novas, e foi ordenado, em 1941, em Lisboa, pelo Cardeal Cerejeira. Especializou-se em Liturgia, no Institut Catholique de Paris, entre 1966 e 1968. Foi também discípulo do primeiro reitor do Seminário dos Olivais, monsenhor José Manuel Pereira dos Reis, considerado um ilustre liturgista. Antes do Concílio Vaticano II, o padre José Ferreira orientou o Coro dos Olivais em numerosas Missas solenes na Sé, transmitidas pela Emissora Nacional, todos os Domingos, e foi membro da Comissão Diocesana de Liturgia e de Música Sacra do Patriarcado de Lisboa, desde 1965, tendo sido seu presidente, entre 1971 e 2000. Foi colaborador assíduo de encontros nacionais e diocesanos de Pastoral Litúrgica, tendo contribuído para a renovação litúrgico-musical do Patriarcado de Lisboa. Nos seminários diocesanos, foi professor e prefeito no Seminário de Almada, de 1941 a 1947, e novamente de 1949 a 1953, e lecionou Liturgia e Canto Gregoriano no Seminário dos Olivais, entre 1953 e 2001. Na Faculdade de Teologia da Universidade Católica, em Lisboa, lecionou Latim, Liturgia e Pastoral Litúrgica, desde o seu início, em 1968, até 1998. Foi ainda colaborador do Jornal VOZ DA VERDADE, na produção da folha litúrgica que semanalmente acompanhava a edição do semanário diocesano.

 

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‘Os mistérios de Cristo na Liturgia’

 

Por ocasião do falecimento do cónego José Ferreira, o Secretariado Nacional de Liturgia disponibilizou, gratuitamente, através do seu site (www.liturgia.pt), o livro ‘Os mistérios de Cristo na Liturgia’, da autoria do sacerdote.

 

«As ações litúrgicas não são ações orientadas para produzir um resultado material, da ordem do utilitário, muito menos da ordem do rendível. As ações litúrgicas são celebrações. Elas são a proclamação de um acontecimento salvífico, em ordem a permitir a quem as realiza exprimir a ação de graças por esse acontecimento e assim entrar em comunhão com ele e nele encontrar a salvação.»

 

«A Palavra que de Deus veio até nós, trazida no sopro do Espírito, regressará a Deus, como eco do que na celebração se ouviu e se presenciou de maneira participativa, em louvor e ação de graças Àquele que primeiro quebrou o silêncio e fez chegar a sua voz até ao nosso coração. Esse eco será ainda a voz do Espírito orando em nós com ‘gemidos inefáveis’.»

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