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Encíclica “Laudato si’ – sobre o cuidado da casa comum”, do Papa Francisco
Proteger a Terra, amar os Pobres
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“‘Louvado sejas, meu Senhor’ cantava São Francisco de Assis”… foi a forma que o Papa Francisco escolheu para começar a primeira Encíclica da Igreja sobre a Ecologia. São Francisco é o “exemplo por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com alegria e autenticidade(…). Manifestou uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e abandonados (…). Nele se nota até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior” (nº 10).

 

A urgência do diálogo

É um documento que pretende abrir um diálogo alargado sobre a urgência de amar e cuidar da casa comum que é a Terra. Diz: “Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou” (nº 2). Há eixos que atravessam toda a encíclica: “a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a cultura do descartável e a proposta de um novo estilo de vida” (nº 16).

Contra a indiferença, Francisco quer dirigir-se a cada pessoa do planeta para entrar em diálogo com todos acerca desta casa comum. É urgente fazer uma mudança radical de comportamento, uma conversão ecológica global. Exigem-se “mudanças profundas nos estilos, nos modelos de produção e consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as sociedades” (nº 5).

A preocupação ecológica é comum a todos, incluindo cientistas, filósofos, teólogos e organizações sociais. Há que proteger a Terra e unir toda a família humana na busca de um desenvolvimento sustentável e integral. O diálogo ajudará a encontrar caminhos.

 

Atentados contra a Mãe Terra

A poluição e as mudanças climáticas põem em causa o futuro da humanidade. A terra tornou-se depósito de lixo. Há que adoptar um modelo que limite o uso dos recursos não renováveis, moderando o seu consumo e apontando na reutilização e reciclagem.

O aquecimento climático atacará os mais pobres que não se conseguem adaptar aos impactos nem enfrentar as situações catastróficas por ele provocado. Aumentarão os emigrantes em fuga da miséria e nota-se uma indiferença geral perante estas tragédias.

Séria é a questão da água potável. Está a avançar muito a onda da privatização que a coloca sujeita às leis do mercado, o que vai gerar grandes conflitos no futuro. Há ataques constantes aos pulmões do planeta, como é a Amazónia, a bacia fluvial do Congo e os grandes lençóis freáticos e os glaciares. Os oceanos, rios e lagos estão muito poluídos e muitas espécies mortas por certos tipos de pesca.

Muitas cidades cresceram demais e não são saudáveis. As inovações tecnológicas também estragam a qualidade de vida e provocam degradação: “a exclusão social, a desigualdade no fornecimento e consumo de energia e doutros serviços, a fragmentação social, o aumento da violência e o aparecimento de novas formas de agressividade social, o narcotráfico e o consumo crescente de drogas entre os mais jovens, a perda de identidade” (nº 46). As tecnologias da comunicação estão a trazer muita informação mas pouca sabedoria e cultura.

Os atentados ecológicos esmagam sempre os mais pobres. O consumismo leva ao desperdício e a comida que se deita fora dava para alimentar a multidão dos famintos do mundo.

 

Procura conjunta de soluções

O Papa está preocupado com a fraqueza da reação política internacional: “a submissão da política à tecnologia e à finança demonstra-se na falência das cimeiras mundiais sobre o meio ambiente. Há demasiados interesses particulares e, com muita facilidade, o interesse económico chega a prevalecer sobre o bem comum” (nº 53).

O Papa Francisco propõe um diálogo frutuoso entre a Ciência e a Religião. Os cristãos têm o dever bíblico de cuidar da natureza e de combater a pobreza: “nada e ninguém ficam excluídos desta fraternidade” (nº 92). A terra é herança comum e a propriedade privada está submetida á destinação universal dos bens.

A tecnologia, em si, é positiva e ajuda muito os humanos na luta contra os seus males. Mas o atual paradigma tecnocrático assenta no mercado livre e no domínio da tecnologia sobre a política e a economia. Cria um estilo de vida assente no consumismo e exclui os pobres. A cultura ecológica combate este paradigma tecnocrático: “renunciar a investir nas pessoas para se obter maior receita imediata é um péssimo negócio para a sociedade” (nº 128).

 

Ecologia integral

Francisco propõe uma ecologia integral que inclua claramente as dimensões humanas e sociais: “a imposição dum estilo hegemónico de vida ligado a um modo de produção pode ser tão nocivo como a alteração dos ecossistemas” (nº 144). Há que proteger as comunidades aborígenes.

A falta de habitação é grave. Os fracos transportes públicos também prejudicam os mais pobres. O princípio do bem comum devia ser sempre respeitado, como forma de combate às desigualdades e à exclusão social que vitima milhões de pessoas. Há ainda a urgência de olhar para as gerações seguintes, pois a terra que recebemos pertence também àqueles que hão-de vir. O Papa cita os Bispos de Portugal: “o ambiente situa-se na lógica da recepção. É um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte” (nº 159).

Há que mudar o atual estilo de vida para um mais simples, mais fraterno. Não queremos ficar para a história como uma geração irresponsável, mas antes generosa e ecológica.

Os países mais pobres precisam de políticas globais que erradiquem a miséria e promovam o desenvolvimento social dos seus habitantes: “precisamos duma reação global mais responsável, que implique enfrentar, contemporaneamente, a redução da poluição e o desenvolvimento dos países e regiões pobres” (nº 175).

Há que favorecer a agricultura das regiões mais pobres.

 

Políticas credíveis

É necessário o diálogo e transparência nos processos de decisão. A política não deve submeter-se à economia e esta não deve submeter-se às lógicas da tecnocracia (cf. Nº 189). Devemos aceitar consumir menos e ousar converter o modelo de desenvolvimento global: “trata-se simplesmente de redefinir o progresso. Um desenvolvimento tecnológico e económico que não deixa um mundo melhor e uma qualidade de vida integralmente superior não se pode considerar progresso” (nº 194).

Há que credibilizar a política. Caso contrário, ninguém confia em práticas políticas marcadas pela corrupção e falta de boas políticas públicas.

O mundo precisa de mudar, abandonar o consumismo excessivo. Há que educar para criar uma cidadania ecológica: “a educação na responsabilidade ambiental pode incentivar vários comportamentos que têm incidência direta e importante no cuidado do meio ambiente, tais como evitar o uso do plástico e do papel, reduzir o consumo de água, diferenciar o lixo, cozinhar apenas aquilo que razoavelmente se poderá comer, tratar com desvelo os outros seres vivos, servir-se dos transportes públicos ou partilhar o mesmo veículo com várias pessoas, plantar árvores, apagar as luzes desnecessárias” (nº 211).

 

Espiritualidade ecológica

O Papa quer que a formação dos padres e religiosos seja ecológico e sensível aos mais pobres. Pede-se um “regresso à simplicidade que nos permite parar e saborear as pequenas coisas, agradecer as possibilidades que a vida oferece sem nos apegarmos ao que temos nem entristecermos por aquilo que não possuímos (…). A sobriedade, vivida livre e conscientemente, é libertadora” (nº 222). Francisco propõe oração antes e depois das refeições. É preciso voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos responsabilidade para com os outros e o mundo, valendo a pena a honestidade.

A ecologia integral proposta pelo Papa “é feita de simples gestos quotidianos, pelos quais quebramos a lógica da violência, da exploração e do egoísmo” (nº 230). Ao referir a civilização do amor, Francisco diz que o amor social é a chave para um desenvolvimento autêntico.

 

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O que é uma Carta Encíclica?

É um documento solene, escrito pelo Papa no exercício do seu magistério, normalmente dirigido aos membros da hierarquia, aos fiéis e aos homens de boa vontade. O seu conteúdo mostra a posição da Igreja sobre um determinado tema. Normalmente, uma encíclica é designada pelas suas primeiras palavras a partir do texto em latim.

A primeira carta Encíclica foi da autoria do Papa Bento XIV, em 1740, e tornou-se frequente a partir do Papa Leão XIII. A primeira encíclica do Papa Francisco foi a “Lumen Fidei”, publicada em 2013.


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Como obter a Carta Encíclica?

A Carta Encíclica “Laudato si’ – sobre o cuidado da casa comum”, do Papa Francisco, está disponível, de forma gratuita, em português, no site do Vaticano, em www.vatican.va.

A Paulinas Editora e Paulus Editora têm à venda, nas livrarias de todo o país, o documento do Papa Francisco. A publicação tem um custo de 5 euros.


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Conferência "Cuidar da Casa Comum"

A Associação Casa Velha - Ecologia e Espiritualidade promove, no próximo dia 11 de setembro, sexta-feira, em Lisboa, a conferência "Cuidar da Casa Comum: os desafios da nova Encíclica do Papa Francisco". A atividade, que é organizada em pareceria com a Fundação Fé e Cooperação (FEC), a Fundação Gonçalo da Silveira (FGS), a Agência Ecclesia, a Rede Inaciana de Ecologia e a Rede CIDSE, vai contar com a presença de especialistas estrangeiros e nacionais.

A entrada é livre mas está sujeita a inscrição prévia, através do email: projectocasavelha@gmail.com.

Informações: www.casavelha.org ou www.facebook.com/projectoCasaVelha

texto por Tony Neves; fotos D.R.
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