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Pe. Alexandre Palma
Maria e os jovens

Há uma afinidade fundamental entre Maria e os jovens. Isto torna natural que seja uma referência mariana a inspirar a Jornada Mundial da Juventude (JMJ) – Lisboa 2023: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39). Essa afinidade compõe-se de vários elementos e, por isso, de várias possibilidades de sentido.

Um primeiro elemento, e seguramente o mais óbvio, é desde logo este: ao tempo da Visitação (contexto de onde é extraída a citação do Evangelho de S. Lucas), Maria teria mais ou menos a mesma idade dos muitos milhares de jovens que Portugal se prepara para acolher no próximo Verão. Sob este ponto de vista, ela bem poderia integrar esta multidão que peregrinará, com o Papa, até Lisboa. Tenho consciência de que há nesta associação um evidente anacronismo. Por isso, ela não pode ser absolutizada. É que o que hoje entendemos como juventude é coisa relativamente recente e não gozaria, naquele tempo, do reconhecimento social que, entretanto, se nos tornou natural. Ainda assim, registe-se, pelo menos, a afinidade etária.

O tema da JMJ – Lisboa 2023 sugere, pelo menos, mais dois elementos desta afinidade. Desde logo, a pressa parece também aproximar Maria e os jovens. Estaremos mais acostumados a ter de Maria uma imagem de placidez, porventura mais concorde a certos paradigmas de ideal feminino. Ora, no quadro da Visitação, Maria não é uma presença expectante. Pelo contrário, é alguém que acelera a história e abrevia os tempos. Há nela uma urgência de viver que a aproxima, de forma notável, da inquietude própria dos jovens. É característica neles uma pressa existencial. Pelo menos é assim que, simbolicamente, enquadramos a juventude no concerto das várias idades. Há nesta fase uma tal ânsia de viver que todo o tempo lhe parece escasso. Não admira por isso que tudo tenda a ser feito, também entre os jovens, «apressadamente». É curioso que esta associação proposta pela JMJ convide a olhar favoravelmente o que tantas vezes é objecto de crítica: a pressa. Percebemos, no quotidiano, que há uma pressa que nos consome. Mas percebemos também, sob a égide de Maria e com a vitalidade dos jovens, que há também uma pressa que nos salva. Desafio em aberto, claro está, é distinguir uma da outra.

Há ainda algo de juvenil no gesto de Maria. Aquele seu levantar-se transmite uma generosidade activa. Uma vez mais, ele situa-nos longe de uma visão romantizada de Nossa Senhora, e perto da fisionomia de mulher forte que se confirma no Magnificat. Ela é, então, alguém com causas, projectos, ideais e a disponibilidade para se comprometer com eles. Eis, pois, um terceiro elemento da referida afinidade. Ou não são os jovens um pouco assim, generosos no dar-se àquilo que os encanta? Aderentes apaixonados a grandes ideais, eles que não entraram ainda em fases mais cépticas da vida? Cheios de planos para o que está porvir, próprios daqueles para quem vida é ainda muito mais futuro do que passado?

Há, na circularidade desta afinidade, uma lição que deveremos querer aproveitar. Digo todos nós, não importa de que idade. É como se Nossa Senhora, qual mestra, nos ensinasse a olhar os jovens como a olhamos a ela. E, ao mesmo tempo, como se os jovens, quais mestres, nos desafiassem a redescobrir Maria a partir do que eles próprios são e fazem. Talvez seja esta uma outra importante tarefa da preparação da JMJ.

 

Pe. Alexandre Palma