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Pe. Alexandre Palma
Ainda o Sínodo

Seria mau sinal se já tivéssemos arrumado o tema do Sínodo. Não estamos livres de que isso aconteça. De facto, a volatilidade das agendas devora assuntos que mereceriam (e necessitariam) de mais tempo de ponderação. Quando a isto se acrescenta a sombra da controvérsia (como é o caso) então agiganta-se a tentação de remover o problema para assim se recuperar rapidamente a sensação de harmonia. Isso, contudo, seria ignorar o que há décadas a teologia vem sublinhando a respeito da sinodalidade e, sobretudo, o que o Papa Francisco tinha na mente e no coração quando lançou a Igreja neste processo de escuta e de discernimento: tornarmo-nos, de forma mais consequente, uma «Igreja sinodal». O tema não é conjuntural, mas estrutural. Seria bom que isto estivesse verdadeiramente assumido.

O documento «Sínodo 2021/2023 – Relatório de Portugal» foi, entre nós, o catalisador de um debate que, até aí, a ter existido, tinha ficado restrito às dinâmicas dos grupos sinodais. A recepção deste Relatório é merecedora, em si mesma, de atenção e estudo, pois oferece um raro retrato da Igreja que efectivamente somos. É esta uma das vantagens do debate público. Também eu sou crítico de vários aspectos do Relatório. Mas também sou crítico de várias críticas ao Relatório. Também eu me pergunto o que nos faz só agora participar com paixão num processo que leva já mais de um ano. Mas também me pergunto por quem ainda se parece colocar ao lado ou acima dele. Julgo que precisamos de um autêntico espírito sinodal de escuta e discernimento também nesta fase de recepção do Relatório da Conferência Episcopal. Seria uma pena se as hesitações para com o Relatório levassem a desconsiderar por completo o que nele há de interpelação à Igreja que temos sido. Como seria uma pena se se quisesse fazer do documento o fim de um debate que, pelo contrário, não devemos temer.

De modo geral, os elogios e as críticas ao Relatório concentraram-se no que nele é dito e na forma como é feito. É natural que assim seja. Para lá disso, porém, dá ainda que pensar o que nele está ausente. É como se nele houvesse coisas escritas com tinta invisível. E essa invisibilidade é ainda uma radiografia da Igreja que somos. Anoto aqui, a título de exemplo, somente duas ausências, para as quais despertei (reconheço) apenas quando li relatórios de outros países: diáconos e bispos. Sobre os diáconos nada é dito, com excepção de uma referência muito genérica numa simples enumeração na primeira frase do relatório. Para se ter noção da escala desta omissão, diga-se que existirão hoje em Portugal mais de 400 diáconos. Não é uma realidade eclesial facilmente negligenciável. Os bispos, por seu lado, pouco mais são referidos: apenas por 3 vezes, e qualquer uma delas sem se debruçar propriamente sobre o seu lugar na vida das nossas comunidades (i. na referida enumeração inicial; ii. a propósito das dificuldades em activar o processo sinodal em dioceses presentemente sem bispo; e iii. no apelo a consultas mais abrangentes para a nomeação de bispos). Poder-se-á considerar que ambos estarão de alguma forma incluídos em muitas outras afirmações, como sejam as várias referências que são lançadas no texto com a expressão «Uma Igreja…». Mesmo com essa leitura benévola, estas ausências parecem-me significativas.

Esta minha observação não é uma crítica à veracidade do Relatório, e menos ainda uma crítica a bispos e diáconos. Não questiono que o Relatório reflicta o que, de alguma forma, terá sido escutado ao longo deste processo sinodal. Pelo contrário, é precisamente porque admito que o faça que estas ausências me parecem graves. Também não são as pessoas que estão aqui directamente em causa, mas como o seu lugar é percebido pela restante comunidade eclesial. Com base no Relatório, fica-se com a ideia de que, quando chamado a dizer de si, o Povo de Deus não reconhece relevância suficiente a estes ministérios a ponto de fazer deles assunto. Eis, pois, porque devemos ainda saber ler o que no Relatório se escreve com tinta invisível.

 

Pe. Alexandre Palma