Entrevistas |
Cónego Rui Pedro Carvalho, coordenador diocesano do Sínodo dos Bispos
“O que renova a Igreja é o Espírito Santo”
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O coordenador diocesano do Sínodo dos Bispos analisa o ‘Relatório de Portugal - Sínodo 2021/2023’, publicado pela Conferência Episcopal, e considera que a reforma da Igreja não deve ser feita “a partir daquilo que a pressão mediática quer”, mas “do Evangelho” e “da abertura ao Espírito Santo”. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, o cónego Rui Pedro Carvalho diz acreditar que o caminho sinodal veio para ficar, “porque não há outra forma de ser Igreja”, e anuncia, para o dia 1 de outubro, um encontro com todos os coordenadores paroquiais.

 

A Conferência Episcopal Portuguesa publicou, no passado dia 26 de agosto, o ‘Relatório de Portugal - Sínodo 2021/2023’, elaborado a partir das sínteses que as dioceses fizeram. Que primeira análise faz ao documento?

Este documento é o esforço de condensar, num relatório, uma síntese das sínteses diocesanas, fruto dos vários grupos sinodais que se reuniram em todas as dioceses de Portugal. E como sabemos, a realidade da Igreja em Portugal é muito díspar. Por exemplo, é completamente diferente a realidade da Igreja de Lisboa, da realidade da Igreja em Vila Real ou em Viana do Castelo. Por isso, há sempre o risco das generalizações, e porventura, de não nos revermos em algumas afirmações, por não corresponderem a todas as realidades da Igreja em Portugal. É a síntese possível, que traz também alguns desafios à Igreja, que vale a pena ter em conta. De referir que, no relatório, salientam-se sobretudo os aspetos mais negativos, penso que com o intuito de acentuar os desafios, para que, a partir daqui, possamos caminhar mais ao ritmo de Jesus.

Gostaria de reforçar que a reforma não é fazer uma coisa nova a pedido da maioria, mas procurar sintonizarmo-nos em comunidade com o que Jesus quer da Igreja para este tempo. Por isso, as sínteses que somos chamados a fazer não são um ‘livro de reclamações’, mas um olhar agradecido pelo caminho percorrido e os passos que o Espírito Santo nos chama a dar.

O que renova a Igreja é o Espírito Santo, como nos diz Jesus: «Onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles». É o encontro da comunidade cristã que se coloca numa atitude de escuta da Palavra de Deus, procurando ler a realidade do mundo a partir da luz do Evangelho. Creio que é importante termos isso em atenção. Não se trata, por isso, de um conjunto de opiniões – o Sínodo não foi um conjunto de opiniões ou de descontentamentos. A missão da Igreja, como afirma o Papa Francisco, nasce da “escuta de Deus, até ouvir com Ele o grito do povo; escuta do povo, até respirar nele a vontade de Deus que nos chama”.

 

No segundo capítulo, intitulado ‘Apresentação dos resultados’, é salientado que “resulta claro que todos querem uma Igreja renovada, mais amiga dos necessitados, mais santa e mais evangélica, que propicie o envolvimento de todos”. De que forma isso pode ser feito?

Como dizia, esta renovação ou reforma é voltar à forma de Jesus. É importante que a cada passo vamos acertando o passo com Ele. Uma das tónicas deste Sínodo que as pessoas mais salientaram foi a importância deste caminho se fazer em ambiente de oração. Começar por invocar o Espírito Santo, depois colocarmo-nos à escuta da Palavra de Deus e iluminar a realidade do mundo com a Palavra de Deus. Creio que a transformação acontecerá por aqui. Não se trata de fazer uma reforma a partir daquilo que a pressão mediática quer, mas que a reforma aconteça a partir do Evangelho, a partir da abertura ao Espírito Santo. Um dos aspetos mais salientados por parte dos grupos, tem sido a importância do método do diálogo espiritual e a forma como nos vai ajudando a escutar Deus no encontro com o irmão e, a partir daí, discernir a vontade de Deus. Esta escuta está muito para além do responder imediatamente ao descontentamento das pessoas. Muitas vezes, as mágoas e feridas que cada pessoa traz consigo, fruto das suas vivências e porventura de experiências onde não se sentiram acolhidas, escondem um anseio mais profundo, o desejo de Deus. Por isso, compete à Igreja acolher, aceitar e amar, mas fazer um caminho com cada um para os ajudar a não se conformarem com este mundo, com o que têm, e até com o que querem imediatamente, mas ajudar a encontrar aquilo que Deus quer para cada um. A Igreja tem de ser perita em escutar, saber acolher, mas ao mesmo tempo saber proporcionar um encontro com Jesus, porque é essa a realidade que transforma. É isso que o coração da humanidade anseia.

 

Concorda com a análise mediática sobre a forma como os católicos portugueses pensam e desejam a Igreja?

A Igreja é o Povo de Deus a caminho. E como Povo de Deus a caminho, a Igreja será sempre uma realidade em tensão, entre o ‘já’ e um ‘ainda não’. Há uma realidade que já é Reino de Deus a acontecer, mas há uma realidade do ‘ainda não’, para a qual tendemos, mas que plenamente só alcançaremos na eternidade. Portanto, haverá sempre este ‘ainda não’ na Igreja. Não tenhamos a pretensão que, de repente, tudo fique perfeito, que se faça aqui uma ‘renovação cosmética’ e fique tudo perfeito. Enquanto cada um de nós está a caminho de conversão, haverá sempre um ‘ainda não’. A Igreja não é o somatório das nossas expectativas, das nossas ilusões ou desilusões. É obra de Deus, edificação de Deus, Povo de Deus a caminho. É preciso confrontar estes desafios com a revelação do Evangelho e vivê-los num tom de esperança.

Creio que é importante também salientar o ‘já’, ou seja, aquilo que já vive, aquilo que já acontece. E nesta caminhada sinodal, a pergunta ‘Como é que nós estamos a caminhar em conjunto?’ manifestava muito este olhar para a realidade e agradecer, agradecer o caminho que já fazemos, o Reino de Deus que está a acontecer. O importante é que haja esta tensão entre o ‘já’ e o ‘ainda não’, que é a tensão entre a primeira vinda de Cristo e a segunda vinda, a tensão da Igreja a caminho, do Povo de Deus a caminho.

 

O relatório sublinha ainda que “a generalidade das opiniões” caracteriza “a escuta sinodal como uma realidade indispensável em Igreja”. É, portanto, um caminho que veio para ficar…

Sim, porque não há outra forma de ser Igreja. Caminhamos todos como irmãos. Como Povo de Deus a caminho, nós estamos sempre à procura daquilo que é a vontade de Deus, estamos sempre à procura de como é que o Evangelho pode iluminar a realidade de hoje em dia, como é que eu hoje posso continuar a ser prolongamento de Cristo neste tempo, nesta história, neste mundo? Como é que nós, como Corpo de Cristo, hoje podemos levar a salvação a esta humanidade? Por isso, a Igreja será sempre este Povo que se coloca à escuta da voz de Deus, escutando a voz de Deus na voz do irmão, na voz da humanidade.

Como afirmei há pouco, não se trata apenas de escutar o povo no sentido de responder aos seus anseios imediatos. Porque muitas vezes, os nossos anseios imediatos não nos levam a Deus; mas em Igreja, saber discernir as aspirações mais profundas do coração do Homem. A Igreja está neste mundo para ser ponte entre Deus e a humanidade – a ponte é Cristo, a Igreja é Corpo de Cristo.

 

Após as fases diocesana e nacional, o que se pode esperar da fase continental da caminhada sinodal da Igreja?

O caminho sinodal continua. Agora será a fase continental, vai decorrer o encontro das conferências episcopais, por continentes. Vamos continuar nesta reflexão, vamos continuar a aprofundar o que é ser uma Igreja mais sinodal.

Creio que é importante que, nas dioceses, este caminho se continue a percorrer e aprofundar. Isto não termina com um relatório entregue. Por isso, em Lisboa, vamo-nos encontrar já no dia 1 de outubro, sábado. Vamos convidar todos os coordenadores das paróquias e das comunidades para fazermos um trabalho de escuta do Espírito Santo, para perceber como é que vamos continuar este caminho. Naturalmente, na senda da Jornada Mundial da Juventude, queremos continuar este caminho sinodal, a acompanhar aquilo que é agora a reflexão a nível europeu e a nível dos continentes, mas queremos continuar este caminho aqui na nossa realidade local. O encontro será presencial, brevemente divulgaremos o programa, e em princípio será na sede da JMJ, no Beato. Naturalmente que este caminho sinodal na vida da nossa Igreja em Portugal, no próximo ano passará necessariamente por este preparar o nosso país para acolher os jovens de todo mundo.

 

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Os desafios comuns

É possível traçar alguns pontos em comum entre este documento da CEP e a Síntese Diocesana do Patriarcado de Lisboa, aprovada a 14 de maio, no Turcifal?

As principais áreas temáticas da nossa Síntese Diocesana são também abordadas neste relatório da CEP. Podemos sintetizar nos quatro tópicos com que terminamos a nossa síntese diocesana: em primeiro lugar, encontrar na sinodalidade a forma de ser Igreja; depois, viver um acolhimento evangelizador e uma evangelização acolhedora; a seguir, aprofundar dinâmicas de espiritualidade e formação como caminho de santidade; e finalmente, fazer a leitura da realidade em chave familiar, entender a Igreja como família de famílias e a importância de uma pastoral de conjunto, pois, como o Sínodo nos tem desafiado, é esse o caminho de uma Igreja em saída.

 

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“JMJ é oportunidade extraordinária para um caminho sinodal”

O relatório aponta ainda que “foi sentida uma maior indiferença na população jovem, que se mostrou pouco confiante com o resultado do processo sinodal por acreditar que não serão implementadas mudanças na Igreja, ao ritmo e visibilidade que anseiam”. A JMJ Lisboa 2023 pode contribuir para a Igreja chegar a mais jovens?

A realidade juvenil no nosso país é muito vasta. É verdade que podemos encontrar alguma indiferença, mas também é verdade que nós passámos um verão cheio de campos de férias católicos, temos também a grande quantidade de jovens que já estão a participar na preparação da Jornada Mundial da Juventude. E qualquer uma destas realidades são autenticamente sinodais.  Aqui, o grande desafio é acolher, integrar e dar especial atenção aos jovens. Quando se lhes confia missões pastorais concretas e eles se tornam protagonistas há um rejuvenescimento, uma renovação das comunidades cristãs. Quando assim é, quando se entrega e confia, creio que os jovens agarram os desafios. É isso que temos visto nas Missões País, nos campos de férias, nos escuteiros e tantas outras realidades– só este ano, Idanha-a-Nova juntou cerca de 18 mil escuteiros no acampamento nacional! Nós não podemos ser indiferentes a esta realidade que são um ‘já’. Estas realidades que já acontecem podem ser um modelo de evangelização para tantas outras realidades onde os jovens possam estar mais ausentes. As Jornadas são uma oportunidade extraordinária para um caminho sinodal. Estou certo de que a junção do caminho sinodal coincidente com a preparação para as Jornadas Mundiais da Juventude não é um acaso, é um sinal de Deus.

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