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Pedro Vaz Patto
Perseguidos e esquecidos

De entre os episódios de violência e perseguição contra cristãos, têm vindo em particular evidência nos últimos tempos os ocorridos na Nigéria. No domingo de Pentecostes um ataque a uma igreja no sul do país, na localidade de Owo (Estado de Ondo), vitimou mortalmente cinquenta pessoas. Cerca de duas semanas depois, um novo ataque a uma igreja, esta no Estado de Kaduna, também causou vítimas mortais. Pouco tempo antes desses atentados, uma jovem cristã nigeriana havia sido lapidada e queimada viva por causa da sua fé. Não se trata de casos isolados, estamos perante uma perseguição sistemática, com motivações diversas (o terrorismo de matriz islâmica, conflitos étnico-sociais, banditismo), mas inegavelmente dirigida aos cristãos enquanto tais. Estas perseguição, porém, como tem sucedido noutros lugares e ao longo da história, não conduz ao esmorecimento da fé: apesar dos riscos que correm, a frequência da eucaristia entre os católicos da Nigéria de longe supera a dos europeus.

Estas perseguições não têm recebido, porém, a merecida atenção da parte das mais influentes instâncias políticas. Comentando as omissões e reservas do Parlamento europeu a este respeito (este tem recusado até algumas propostas de condenação deste tipo de atentados e perseguições), o eurodeputado francês François-Xavier Bellamy falou de «um silêncio que nos envergonha» (www.famillechrétienne, 10/6/2022).

O que se diz da perseguição aos cristãos nigerianos, poderá dizer-se dessa perseguição no Iraque e na Síria (países onde a presença histórica dos cristãos corre o risco de desaparecer), na China, na Índia, no Paquistão e noutros países.

Na verdade, às questões ligadas à defesa da liberdade religiosa o Parlamento europeu não tem dado a devida importância. Isso mesmo me disse há dias o responsável europeu da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, o português Paulo Macedo. Desde há vários meses se aguarda a nomeação de um representante especial da União Europeia para a defesa dessa liberdade. O Parlamento europeu também recusou a proposta de declaração de um dia dedicado à liberdade religiosa, como se verifica em Portugal (onde se associam a liberdade religiosa e o diálogo inter-religioso). Tudo isto contribui para a desilusão de quem gostaria de ver a União Europeia na vanguarda da promoção internacional dos direitos humanos. No que à liberdade religiosa diz respeito, fica muito atrás do empenho do governo norte-americano.

Para tentar justificar os silêncios do Parlamento europeu a este respeito, tem-se dito que estas condenações da perseguição aos cristãos, muitas vezes em países de tradição islâmica ou motivadas por certas formas de fundamentalismo islâmico, poderão alimentar o chamado “conflito de civilizações” que se quer evitar.

Penso que se trata de uma justificação sem qualquer fundamento.

A condenação da perseguição aos cristãos justifica-se em nome do valor universal da liberdade religiosa. Vale para cristãos e muçulmanos. Vale também para muçulmanos perseguidos pela sua fé, como os uigures na China, vítimas de uma perseguição severíssima e também em grande medida esquecida porque não se quer enfrentar uma grande potência económica e política. A liberdade religiosa vale para todos, maiorias e minorias, os cristãos que são maioria nuns países e minoria noutros, os muçulmanos que são maioria nuns países e minoria noutros.

A invocação do Islão como motivo de perseguição aos cristãos tem recebido claro repúdio dos mais autorizados dirigentes islâmicos e deveria ser dado mais relevo a essas vozes (que também deveriam procurar falar mais alto, deve dizer-se).

O autêntico e frutuoso diálogo inter-religioso, e, mais do que um diálogo de ideias, a amizade e cooperação entre pessoas de diferentes religiões, não podem deixar de ter como primeiro pressuposto o respeito mútuo pela liberdade religiosa. Por isso, é significativo que tenha sido decretado entre nós, pela Assembleia da República, o dia 22 de junho (dia da publicação da lei da liberdade religiosa) como dia nacional da liberdade religiosa e do diálogo inter-religioso.        

 

Pedro Vaz Patto


foto por ACN Portugal