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Pe. Alexandre Palma
Pode na Igreja haver projecto?

A questão pode parecer estranha, bizarra até. Mas tenho-me encontrado, nos últimos anos e por mais do que uma vez, com posições que aparentam rejeitar a possibilidade ou o valor de se assumir um projecto em Igreja, isto é, uma orientação de partida para acção eclesial que possa estabelecer prioridades e metas dessa mesma acção. Nalguns casos, recusa-se assumir um tal projecto. Noutros navega-se, simplesmente, sem mapa preestabelecido. Neste último caso, age-se sem um plano, mesmo se disso não se tem consciência. Admito que com tal postura – como digo, seja ela explícita ou implícita – se queira evitar qualquer forma de abuso de poder, assumindo uma disponibilidade para escutar a realidade antes de qualquer coisa mais; cultivando uma abertura radical para a surpresa de Deus, que sempre baralha e supera os nossos esquemas. Aqui reside, segundo me parece, o elemento justo desta atitude que quer iludir a ideia de projecto como suporte da acção eclesial.

Todavia, para lá da bondade desta abertura a Deus, aos outros e ao inesperado, tenho dificuldade em ver mais razões que justifiquem esta resistência em se assumir não apenas um horizonte para o caminho eclesial, mas também a proposta clara de formas de o alcançar. Pelo contrário, vejo nessa demissão a raiz de um conjunto de equívocos que, na prática, tendem a tornar mais difícil alcançar aquilo mesmo que essa atitude, com a melhor das intenções, tenta promover: a comunhão na Igreja. Isto já para não dizer que tal recusa em se assumir um projecto se afasta daquilo que, entretanto, se tornou comum no mundo secular. Quem hoje, por exemplo, assume no mundo profissional um papel de liderança fá-lo, com frequência, apresentando um projecto ou plano. Se é certo que a Igreja é uma realidade sui generis e que, portanto, qualquer importação de práticas seculares deve ser feita com prudência e sentido eclesial, é igualmente certo que a Igreja também pode e deve aprender com o que (de bem) se faz noutros lugares.

Valerá a pena questionar alguns dos pressupostos da resistência de que falo. Será mesmo verdade que, a proposta de um projecto para a vida e acção das nossas comunidades, claramente enunciado, nos fecha inevitavelmente à acção de Deus ou aos apelos da realidade? Não será que podemos (e devemos) reconhecer a presença do seu Espírito, desde logo, no momento em que se desenhe e proponha tal plano? Para além disso, sucede com frequência que planos e projectos tenham de ser corrigidos ou melhorados no decurso da sua implementação. Não é isso garantia suficiente de que Deus poderá ainda encontrar espaço para alterar a nossa rota, caso esta não interprete da melhor forma a Sua vontade? E será mesmo verdade que a recusa em escolher um caminho (não seguramente o único possível, mas aquele que em cada tempo e local se mostre mais fecundo) é o que melhor favorece a comunhão eclesial? Não sucederá precisamente o contrário, isto é, na ausência de mapa os membros do corpo eclesial estão mais susceptíveis de se dispersar? E não será que dispersando-se se multiplicam os choques entre esses membros e se instala no seu seio o cansaço? A comunhão que se quer promover não se alcança com a recusa em assumir e liderar uma Igreja com projecto. A questão está sim na forma como tal projecto é discernido e desenhado. Será bom não confundirmos uma coisa com a outra.

 

Pe. Alexandre Palma