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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
‘Isso é estupendo!’

A dor não é uma desgraça, mas uma experiência de amor que, ao unir-nos ao sacrifício de Cristo na Cruz, nos aproxima dos irmãos.

Nos hospitais onde há capelas em que Nosso Senhor está reservado, a presença de Cristo está eucaristicamente assegurada. Mas de pouco serviria se não houvesse quem levasse Cristo aos doentes que, tantas vezes, por limitações impostas pela sua enfermidade, não têm possibilidade de ir ao encontro de ‘Jesus escondido’. Os capelães hospitalares são uma espécie de anjos que levam Jesus Cristo, na sua palavra, nos sacramentos da Reconciliação e Penitência e da Santa Unção, ou sob as espécies eucarísticas, aos doentes. São eles que, abnegadamente, permitem o acesso aos sacramentos dos fiéis internados, ao mesmo tempo que confortam quantos padecem nessas catedrais do sofrimento humano que, por virtude da graça, se podem também transformar em potentíssimas centrais nucleares do amor de Deus.

Santa Teresa de Calcutá apoiava-se numa doente que, num país europeu, oferecia pelo apostolado da religiosa todas as suas dores e a que a fundadora das Missionárias da Caridade atribuía boa parte dos frutos apostólicos da sua congregação. Não por acaso, a padroeira das missões é Santa Teresinha do Menino Jesus que, enclausurada em Lisieux, nunca pisou os territórios hostis das longínquas missões, mas que, com a sua oração e sacrifício, chegou mais longe do que qualquer missionário e, assim, impulsionou poderosamente a ação missionária da Igreja, pela qual continua a interceder.

Numa sociedade hedonista e individualista, em que o aborto é visto como um direito – para alguns, quando se trata de uma vida indesejada ou deficiente, é até um dever humanitário! – e a eutanásia como legítima expressão do direito a não sofrer, é cada vez mais necessário recordar que, para os cristãos, a dor não é uma desgraça, mas uma experiência de amor que, ao unir-nos ao sacrifício de Cristo na Cruz, nos aproxima dos irmãos. Quem sofre e não pode encontrar alívio na sua dor, exige, mais do que um qualquer paliativo, um sentido para o seu sofrimento, a compreensão de que esse insondável mistério não é uma infelicidade, mas um dom, se vivido em união com Cristo crucificado e ressuscitado.

Assim ensina o apóstolo das gentes que, não obstante o incómodo que sofria com os seus padecimentos, não via neles um obstáculo para a sua missão, mas um outro modo de a realizar: “Eu, agora, me alegro nos sofrimentos por vós e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo, pelo seu corpo, que é a Igreja, da qual fui constituído ministro, segundo o encargo que Deus me deu junto de vós, que é de anunciar, na sua plenitude, a palavra de Deus” (Cl 1, 24-25).

Ainda recordo a primeira vez em que, sacerdote recém-ordenado, fui chamado à cabeceira de um agonizante que, com efeito, faleceu pouco depois. Depois de o atender pastoralmente, procurei dar-lhe alento, não só dizendo que estava presente nas orações dos seus familiares e amigos, mas também que todos nos apoiávamos na sua doença e recorríamos à sua oração, na certeza de que agora, precisamente porque estava naquele estado, era maior a sua potência apostólica. Nunca esqueci a sua resposta, murmurada num tom de voz quase imperceptível: ‘Isso é estupendo!’

Para os descrentes, talvez a ciência da cruz possa parecer masoquismo ou, até, falta de caridade consigo mesmo, ou com o próximo. A razão, por si própria, não consegue desvendar o mistério do sofrimento humano. Mas, à luz da fé, essa realidade, embora humanamente incompreensível e, por vezes, até revoltante, adquire um sentido sobrenatural que é, sem dúvida, a melhor terapia para o pior dos sofrimentos.

A Igreja, que está na origem das universidades, desde sempre combateu, como nenhuma outra instituição do mundo, a doença, e procura, através da investigação científica, a sua explicação e cura. Portanto, a conformidade com o sofrimento não serve de desculpa para não procurar a sua erradicação, através de todos os meios humanos lícitos. Mas sabe de antemão que, por maior que seja o progresso da medicina, nunca será possível eliminar da vida terrena o sofrimento. Por isso, a par de instituições que procuram debelar o mal pela via da investigação científica, a Igreja desde sempre promoveu, em todo o mundo, entidades hospitalárias, sobretudo para os mais necessitados.   

Por duas vezes estive internado em hospitais públicos – Egas Moniz e São Francisco Xavier – e, nos dois casos, pude beneficiar, com grande proveito, dos serviços dos respectivos capelães, que foram inexcedíveis no meu atendimento. No meu mais recente internamento, já neste mês, por estar também com Covid, a visita diária do capelão implicava riscos para a sua saúde e, também, um maior incómodo, pois tinha de se equipar de acordo com as regras de segurança impostas pelas autoridades sanitárias: muito obrigado, Padre Jorge!

Confesso que fiquei maravilhado com este ministério, que não tem a visibilidade, nem o protagonismo, de uma pastoral multitudinária, mas que, no conforto espiritual que confere ao doente, é de uma extraordinária riqueza. Com efeito, onde não chega a razão humana, nem a ciência alcança, penetra, ilumina, consola e cura a graça de Deus!

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