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Tony Neves
LUSOFONIAS | Páscoa na Bolívia

A monumental e antiga Basílica-Catedral de Santa Cruz de la Sierra, dedicada a S. Lourenço, encheu-se de Padres, Religiosas e Leigos para a Missa Crismal, presidida por D. Sérgio, o Arcebispo nascido em Itália e a trabalhar como Padre ‘Fidei Donum’ na Bolívia desde 1979. É Bispo em S. Cruz desde 1999. Disse na homilia: ‘temos que ser pastores que lavam os pés e dão a vida pelo seu povo, ministros da caridade’. Lembrou que ali estavam padres vindos dos cinco continentes, numa clara demonstração da universalidade da Igreja.

Viajei de Santa Cruz para Buenavista, em Quarta-Feira Santa, acompanhado por chuvas torrenciais e trovoadas fortes. Esta Missão jesuítica tem uma longa história que começou em 1694, ano da fundação, sendo uma das mais antigas. Foi mudando de estruturas e lugares e fixou-se definitivamente neste local em 1723. A Missão tem cerca de 30 comunidades, estando a mais distante situada a 47 kms. Só lá se pode ir fora da estação das chuvas, pois é preciso atravessar o rio de carro…

As obras de requalificação da residência paroquial foram há pouco inauguradas pelo Arcebispo. A casa estava abandonada e parcialmente destruída, pelo que foram precisos bastantes apoios para a reconstruir. Uma fatia significativa desse dinheiro veio de uma Campanha da LIAM e da Família Espiritana.

A Quinta Feira Santa começou com a deslocação à comunidade de San Lorenzo de las Flores para a Missa. À tarde, percorremos 13kms de terra batida e esburacada pelas chuvas para mais uma Missa da Ceia do Senhor. Fomos até Huaitu, à comunidade de Santo Isidro onde houve lava-pés e bênção do pão. Na Igreja da Missão, houve a celebração da Ceia do Senhor, com o lava-pés. Seguiu-se a Procissão do Santíssimo que saiu da Igreja, acompanhada por uma banda de música, e deu a volta à Praça, com paragem em cada um dos cantos, onde foi preparado e ornamentado um altar para estas festas pascais.

A Sexta-Feira Santa tem, nas antigas Missões dos Jesuítas, ritos muito tradicionais. A manhã foi dedicada à preparação da Igreja, dos andores e das Estações da Via-Sacra. Às 15h, um grupo de jovens passaram pelas ruas com matracas a anunciar a morte de Cristo. Depois, na Igreja, houve a Adoração da Cruz. O Sermão das Sete Últimas Palavras de Cristo foi muito concorrido. E, à noite, na Via-Sacra, o povo percorreu as ruas, com a Cruz à frente, onde as autoridades levavam uma enorme bandeira da cidade que foi posta a ondular no fim de cada Estação, após meditação e cânticos tradicionais. Atrás do numeroso povo, segue um pesado sarcófago com o corpo do Cristo morto, carregado por uma dúzia de homens fortes.

Uma vez que se trata de uma tradição muito antiga, há devotos e turistas que vêm a Buenavista para participar nestas cerimónias.

Na tarde de Sábado Santo, partimos para a comunidade de Huaytu onde vivi a primeira das duas Vigílias Pascais num contexto rural e pobre, mas muito animado. Participaram sobretudo jovens e crianças que encheram a Capela. De regresso à cidade, participei na Vigília da Igreja da Missão, com diversos Baptismos a abrilhantar uma longa noite de Páscoa. Desde que os Espiritanos chegaram a Buenavista, há cerca de uma centena de Baptizados por ano, na sua maioria bebés, mas com um número crescente de jovens e adultos.

O Domingo de Páscoa começou cedo, para a primeira Missa às 8h, na povoação de Arboleda, mesmo junto à estrada principal da Bolívia, a que vai de Santa Cruz de la Sierra a La Paz por Cochabamba, num percurso de mais de 1600 kms! A Capela, de recente construção, estava cheia de crianças e jovens.

Mal acabou esta Eucaristia, regressamos à cidade, pois a Missa em Buenavista começaria um pouco depois das nove. A Igreja, apesar da Vigília ter tido casa cheia, também rebentou pelas costuras para uma Missa muto animada, bem ao ritmo pascal. Depois, regressamos à terra batida, para a Missa em San Isidro de Huaytu.

Páscoa é Páscoa e, por isso, o almoço e a tarde foram passados com diversas famílias em confraternização, onde não faltaram as tradicionais empanadas, o cunhapé (pão de queijo), o chipilo (banana frita), a yuca frita (mandioca) e o pan de arroz.

Ao fim da tarde, regressamos a Santa Cruz de la Sierra para um encontro pascal com os Leigos da Família Espiritana. A Missão continua muito viva por terras da Bolívia.

 

Tony Neves, na Bolívia