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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Os novos pecados

Não é muito bonito dizê-lo, mas é verdade: nós, os padres, vivemos dos pecados alheios, como os médicos vivem das doenças dos seus pacientes! E, da mesma forma como, de vez em quando, aparecem novas enfermidades, como a malfadada covid, também há novos pecados.

A bem dizer, todos os pecados são cópia, mais ou menos perfeita, do primeiro que, na realidade, foi o único que foi mesmo original. Graças ao avanço tecnológico, talvez agora se peque de uma forma mais sofisticada, mas os pecados são sempre os mesmos e todos são, de alguma forma, uma réplica do primeiro. É verdade que só agora há hackers, por exemplo, mas desde sempre houve piratas: o que hoje alguns fazem por via informática, já faziam os corsários do século XV, ou, muitos séculos antes, os vikings escandinavos.

Mas sim, há novos pecados e, como o tempo da Quaresma é penitencial, vem a propósito recordar alguns, sobretudo para aqueles cristãos que têm o mais moderno e recorrente dos novos pecados: o pecado de não ter pecados! Apesar de ser, de facto, muito comum na actualidade, já São João advertia a sua existência: “Se pretendemos não ter pecado, enganamo-nos e não há verdade em nós” (1Jo 1, 8). Portanto o pecado de não ter pecados é uma mentira. Mas é também uma blasfémia: “Se pretendemos não ter pecado, fazemos Deus mentiroso e a sua palavra não está em nós” (1Jo 1, 10). Concluindo e resumindo: quem afirma não ter pecados tem, pelo menos, dois: mentira e blasfémia!

Outro pecado recorrente é o pecado piedoso de quem por exemplo, diz uma mentira, mas com a desculpa de assim beneficiar o próximo: ‘disse que o teste tinha corrido bem, apesar de só ter escrito o meu nome, mas foi para não entristecer a minha mãe’; ou ‘disse-lhe que o bolo estava muito bom, mas na realidade é intragável’. Se o fim justifica os meios, então todos os pecados são piedosos, porque todos os pecadores procuram algum bem, nem que seja só o do próprio pecador. Também há quem se justifique dizendo que, quando se age por amor, não se peca. Ora, na realidade, peca-se sempre por amor: o avarento peca por amor ao dinheiro, o luxurioso peca por amor ao prazer, o guloso peca por amor à comida e bebida, o preguiçoso peca por amor ao descanso, etc. O conceito de pecado piedoso é uma contradição nos termos e, de facto, uma acusação de um verdadeiro pecado, qual é a hipocrisia, porque essa falsa adjectivação pretende justificar, farisaicamente, a ofensa a Deus, de que o pecador se deveria não justificar, mas acusar e arrepender.

Também os pecados minúsculos são muito frequentes: disse umas mentirinhas, mas nada de importante… Assim se começa por umas mentirinhas, passa-se depois às mentirotas e termina-se nas mentironas! Curiosamente, apesar dos milhares de confissões que já ouvi, nunca me apareceu nenhum penitente que se acusasse de um homicidiozinho, ou um adulteriozinho… Claro que há faltas mais ou menos graves – roubar cinco milhões de euros não é mesma coisa do que roubar 50 cêntimos – mas os pecados não se medem ao quilo, nem ao litro, e, por isso, também as pequenas faltas ofendem a Deus e impedem a prática da caridade.

São pecados insensíveis aqueles que não nos doem e, por isso, não lhes damos importância. Num conto russo, um criminoso foi advertido por Deus de que, se cometesse um determinado delito, seria punido vinte anos depois. Mas, quando chegou o vigésimo aniversário do seu crime, não aconteceu absolutamente nada! Assim sendo, riu-se do temor que por duas décadas tanto o tinha feito sofrer e esqueceu-se para sempre do mal que tinha feito. Esse foi o seu castigo: enquanto tinha presente o seu crime, podia-se dele arrepender e alcançar o perdão de Deus, mas ninguém se acusa de um pecado que já não recorda! As piores doenças não são as que doem muito, mas as que não se sentem, porque a dor obriga a procurar, com urgência, a saúde, enquanto que a falta de sintomas pode ser fatal, se só se der pelo mal quando já não for possível a cura! Dos pecados insensíveis, livrai-nos Senhor!

Os pecados a que Jesus mais se referiu são, no entanto, os pecados invisíveis. Com efeito, era um tema recorrente de muitas das suas parábolas: a dos talentos, a das dez virgens, a da figueira estéril e também a do juízo final. Todas se referem aos pecados de omissão: o que enterrou a riqueza recebida é castigado por ser mau, porque foi preguiçoso; as virgens néscias pagam por não terem levado o azeite necessário para a viagem, ou seja, por negligência; a figueira é amaldiçoada por não ter frutos, embora não fosse tempo deles; os que são condenados, na parábola do juízo final, não são os que matam, mentem ou roubam, mas os que não socorrem os pobres, não vestem os nus, não alimentam os famintos, não visitam os presos, nem os doentes – tudo pecados de omissão! Na realidade, não basta não fazer o mal, há que fazer todo o bem que se pode e deve fazer!

Mas, de todos os pecados havidos e por haver, o melhor é sem dúvida, o pecado feliz! É a liturgia da Igreja que, na Vigília Pascal, se atreve a assim designar o pecado original, por ter merecido tão sobreabundante redenção! Mas são também pecados felizes todos os que foram confessados com contrição e verdadeiro propósito de emenda, porque pela válida absolvição sacramental, o pecado cometido, por grave que seja, converte-se, como na parábola do filho pródigo, em ocasião de experimentar toda a ternura e misericordiosa compaixão do nosso Pai Deus.