Editorial |
Isabel Figueiredo
Quaresma
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Quando os nossos dias se passam entre palavras, cada uma delas é dita e escrita, numa procura permanente pela essência das coisas, quase da sua pureza. Falar de Quaresma, escrever sobre a Quaresma, leva-me por esse caminho estreito e belo de procurar palavras… Quaresma. Deserto, cinzas, jejum, esmolas e oração. A Quaresma e o deserto. Nunca fui ao deserto. Tenho apenas a memória de ouvir dizer que a partir «dali» se via o deserto. Era criança, estávamos em África e, numas férias de Verão, visitámos o sul de Angola. À medida que cresci, fui compondo mentalmente uma imagem de deserto, onde o silêncio e a solidão, a areia e o vento, ganharam formas, cores e sons. Muito mais tarde percebi a força e a beleza do deserto, na procura do encontro com Deus. Deserto que é tanto. A Quaresma e as cinzas. Sempre me custou limpar as cinzas que restam de lareiras acesas, que nos aquecem e confortam. Precisamos de nos ajoelhar, de as reunir, de as transportar, de as fazer desaparecer. O consumo do fogo que transforma em cinzas, troncos que foram vida, pinhas que deram alimento, galhos partidos, folhas secas. E a desolação de terras ardidas, das cinzas que cobrem casas e vidas. Cinzas, matéria morta. Mas também na memória da infância, recordo as palavras assertivas de uma avó, que nos dizia para colocarmos cinzas em vasos de varandas floridas. Cinzas que servem a vida.

A Quaresma e o jejum, a esmola, a oração. Aprendemos mais depressa ou mais devagar, a conjugar estas palavras, a dizê-las e a repeti-las pelo menos uma vez por ano. Jejum, esmola e oração. Três suportes de um mesmo banco, três linhas orientadoras, três realidades de uma única realidade. Todas valiosas por si próprias, mas capazes de mais, quando unidas. Jejuar, essa decisão secular, tão em voga no nosso tempo, por tudo, menos pelo cuidar da alma. Jejuar de comidas desejadas, de palavras procuradas, jejuar de juízos, de críticas, de certezas. E dar, não do que sobre, mas do que faz falta. Dar sem nada esperar em troca. Dar porque se olha, se escuta, dar porque num determinado momento nos deixamos tocar pela compaixão, esse ardor capaz de rasgos de coração, verdadeiras feridas abertas por amor. E rezar. Por tudo e por nada. Rezar nos primeiros minutos do acordar e do adormecer. Rezar de joelhos, na intimidade de cada casa, nas capelas e igrejas abertas, rezar de pé, a andar pelos caminhos. Rezar devagar, passando páginas escritas em papel fino e rezar com palavras descuidadas, entre pedidos repetidos e graças agradecidas. Deserto, cinzas, jejum, esmolas e oração. Estou convicta de que uma das dádivas mais fascinantes na nossa Fé é esta possibilidade de recomeçar, de viver de novo, de fazer mais e melhor, como se Deus nunca se cansasse de confiar que somos capazes de encontrar força na fragilidade, graça no pecado.

Vamos viver mais uma Quaresma. Mais uma possibilidade de irmos ao deserto, de recebermos as cinzas, de jejuar, de dar, de rezar. Uma possibilidade de encontro, de entrega, de perdão. Não sei do que serei capaz. Não sei até onde o meu pequeno mundo se deixará tocar por mais uma Quaresma, mais uma Páscoa, uma morte, uma Ressurreição. Mas que nada, nem ninguém, me tire do coração esta alegria inquieta que me invade sempre que leio e oiço: «estava morto e Ressuscitou».


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