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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
«Oiçam os gritos delas!»

“Fui torturada e violada. Tudo foi gravado e foi feito um filme a partir do que aconteceu. Fui chantageada. Fui obrigada a assinar uma declaração em que afirmo que me tinha convertido (ao islamismo) e que tinha casado com o meu raptor. Foi-me dito que, se recusasse, a minha família seria morta. Quando a minha mãe foi à polícia para me trazer de volta, o caso foi levado ao Tribunal Supremo de Lahore, que decidiu a favor do meu raptor e obrigou-me a viver com ele. Duas semanas mais tarde, à meia-noite, fugi e fui à polícia. Confirmei que era cristã. Mas a polícia apoiou o homem que me tinha raptado e que ameaçava matar-me. Ele e os seus apoiantes, que incluem membros do partido islâmico de linha dura Tehreek-e-Labbaik, do Paquistão, pediram que eu fosse morta. Toda a minha família – a minha mãe, as minhas irmãs, o meu irmão e eu – está escondida, fechada num compartimento. Os suspeitos foram vistos na zona, a perguntar por nós.”

Este é o impressionante testemunho de Maira Shahbaz, de 14 anos, que vive em Madina Town, na província paquistanesa do Punjab, que foi raptada por um grupo de terroristas islâmicos, quando caminhava perto de casa. Desde então, a sua vida tornou-se um autêntico inferno. Infelizmente, não é um caso único porque, como escreveu no editorial de um boletim da Fundação AIS (Ajuda à Igreja que Sofre), “muitas outras raparigas e mulheres jovens, não só cristãs mas também de outros credos, são vítimas de rapto, violação, conversão e casamento forçados, não só no Paquistão como também em muitos outros países em todo o mundo.”

A história de Maira Shahbaz recorda a perseguição a que foi sujeita Asia Bibi, que esteve anos a fio no corredor da morte, em vias de ser executada por um inverosímil crime de blasfémia que nunca cometeu. Neste caso, é certo, não houve rapto, nem escravatura sexual, nem foi obrigada a uma forçada conversão ao islamismo, mas foi arbitrariamente detida durante anos a fio, impedida de viver com o seu marido e filhos e continuamente ameaçada de morte. Graças ao empenhamento da opinião pública internacional, foi possível que Asia Bibi deixasse, com a sua família, o Paquistão e fosse recebida num país ocidental, onde é respeitada a sua liberdade religiosa. É certo e sabido que, se tivesse sido libertada e continuasse a viver na sua pátria, mais cedo ou mais tarde seria assassinada pelos mesmos grupos terroristas radicais que lograram a sua condenação à morte e que estavam empenhados em fazer justiça pelas suas próprias mãos.

Tanto no caso de Maira Shahbaz como de Asia Bibi, não se trata apenas de vítimas de grupos de terroristas radicais que, sob um pretexto alegadamente religioso, raptam, violam, casam e convertem jovens cristãs. De certo modo, sempre houve e haverá extremistas que realizem este tipo de crimes. O que acontece no Paquistão e em outros países de maioria muçulmana não são simples actos criminosos, mas de um autêntico terrorismo de Estado. Criminosos sempre os houve em todos os países e religiões, mas a função do Estado, através das forças de segurança e dos tribunais, é precisamente defender os cidadãos destes ataques contra a vida, integridade física e liberdade religiosa dos cidadãos.

Decerto, não se pode responsabilizar o islamismo por estes crimes de alegados crentes nessa religião, como também não se pode condenar a Igreja católica por um seu ministro ter praticado actos que desdizem da sua condição. Mas, nestes casos, mesmo que a Igreja não responda, nem civil nem criminalmente, pelos actos praticados por esse seu ministro, que é deles o único responsável, cabe à entidade religiosa respectiva não só condenar veementemente essas acções, como agir disciplinarmente em relação ao seu autor, nomeadamente demitindo-o das suas funções e, até, se necessário for para o bem da sua alma e reparação do escândalo, expulsando-o da Igreja, por via da pena de excomunhão.   

Neste sentido, seria muito conveniente que as autoridades islâmicas fossem firmes na condenação destas práticas, bem como na aplicação de sanções aos que as praticam, pelos vistos impunemente. Também seria da mais elementar justiça que este tipo de conversões forçadas fossem, à partida, consideradas inválidas para todos os efeitos, tendo em conta que a pessoa alegadamente convertida agiu sob coacção. É curioso recordar que a Igreja católica é de tal forma amiga da liberdade que sempre considerou o rapto como impedimento matrimonial, por entender que o consentimento prestado pela raptada, mesmo quando o foi com a sua autorização, não é livre e, portanto, inválido para efeitos de consentimento matrimonial.

Para além da intervenção, urgente e necessária, das autoridades religiosas islâmicas, é necessário que os Estados em que estas práticas acontecem não sejam reféns destes grupos de extremistas radicais. Da mesma forma como num país maioritariamente cristão há que respeitar a liberdade de não professar o Cristianismo e de ser crente de outra religião, também nos países islâmicos, como o Paquistão, o Estado tem que garantir a liberdade religiosa de todos os seus cidadãos, sobretudo os que, por seguirem uma religião de expressão minoritária, mais carecem dessa protecção, que lhes deve ser dada pela polícia e demais forças de segurança, bem como garantida pelos tribunais. Na medida em que estão em causa direitos humanos, Portugal, bem como dos demais Estados da União Europeia, não só devia interessar-se por esta situação como agir diplomaticamente junto das autoridades paquistanesas, em defesa das mulheres cristãs raptadas, violentadas, forçadas à conversão ao islamismo e ao casamento com os seus raptores.

Ao concluir o seu impressionante depoimento, Maira Shahbaz lança um pedido de SOS a que ninguém – nomeadamente as organizações internacionais, como a ONU e a Cruz Vermelha – devia ser indiferente: “Quem vai ajudar-nos? Quem vai falar por nós? Quem se preocupa com a nossa situação?” Dar a conhecer o seu drama é já uma forma de as ajudar, mas não lhes falte também o apoio da nossa oração e da nossa solidariedade, nomeadamente através da tão meritória Fundação AIS, que tanto ajuda a Igreja que sofre.

 

foto por ACN Portugal