Por uma Igreja sinodal |
A Sinodalidade nos Padres da Igreja
O ambiente e costume sinodal
<<
1/
>>
Imagem

«Não é possível encontrar a justa solução dos grandes problemas senão pela via dos sínodos». Esta afirmação de Eusébio de Cesareia (séc. IV, Vita Constantini, I,51) confirma o que era uma convicção generalizada e há muito assumida na Igreja. A citada afirmação é proferida no contexto em que o Imperador Licínio «promulgou uma lei que proibia absolutamente os bispos de se encontrarem entre si, de forma que nenhum destes pudesse deslocar-se à Igreja vizinha nem reunir-se em sínodos, reuniões ou debates sobre assuntos de comum interesse». Eusébio apresenta este procedimento anti-eclesiástico em notório contraste com a atitude de Constantino que «em pleno respeito pela lei divina», promovia a «comunhão e concórdia entre os sacerdotes de Deus» (Ibid.).

Mas não se pense que apenas na era constantiniana, muitas vezes apelidada de «idade dos grandes concílios», a Igreja valorizou a consciência e prática sinodal.

Para responder à heresia milenarista de que o bispo Nepos de Arsinoé e seus seguidores eram acusados, realizou-se, no ano 255, um concílio no Egipto, para o qual o bispo de Alexandria convocou os «sacerdotes e doutores (didáskaloi) dos irmãos do lugar, estando também presentes os irmãos que quiseram» e «exortou-os a realizar em público o debate» (Eusébio, Hist. Ecl. VII, 24,6). O referido «debate» decorreu «durante três dias, do nascer ao pôr-do-sol», com base no livro em que Nepos, o bispo em questão, expunha a sua doutrina. Vale a pena recordarmos os termos em que o próprio bispo de Alexandria, Dionísio, descreve como tudo decorreu: «Pude então admirar o equilíbrio, o amor à verdade, a facilidade de acompanhar o raciocínio, a inteligência dos irmãos quando por ordem e com moderação íamos expondo as preguntas, as objeções e os pontos de convergência. Por um lado, tínhamos recusado agarrar-nos obstinada e zelosamente as decisões já tomadas, mesmo quando pareciam justas; por outro lado, não evitávamos as objeções, mas, na medida do possível, disponhamo-nos a abordar os temas propostos de forma cabal. E não nos envergonhávamos tampouco de mudar de ideias e concordar se a argumentação o exigia; antes pelo contrário, de plena consciência e sem hipocrisia, e com o coração aberto a Deus, aceitávamos o que era exposto pelos argumentos e os ensinamentos das Sagradas Escrituras» (em Eusébio, Hist. Ecl. VII,24,8).

Para além do ambiente pacificado em que decorre a assembleia, Dionísio sublinha o «amor à verdade» e a liberdade de expressão dos participantes que, sem fugir às dificuldades, não se envergonhavam de mudar de opinião. Finalmente, os «ensinamentos da Escritura» como critério último de todo o debate. Sabemos que nem todas as reuniões sinodais decorreram, na Igreja antiga, em termos tão cordatos e exemplares. Ainda assim, os pastores nunca fugiram à partilha das responsabilidades sempre que havia assuntos de monta a tratar.

A forma natural como se fala destes «concílios» mostra-nos que eles faziam parte da vida corrente da Igreja. Quando o Concílio de Niceia prescreve aos metropolitas que convoquem os bispos para o sínodo duas vezes ao ano (Cânon 5), é porque tal prática era comum já antes, ainda que não observada por todos.

Lembremos alguns exemplos. Para resolver a crise dos caídos (lapsi) durante a violenta perseguição de Décio (250), multiplicaram-se as reuniões sinodais, em África, Roma e no oriente. Eusébio conta que «por este motivo se reuniu em Roma um grandiosíssimo sínodo, com 60 bispos e um número ainda maior de presbíteros e diáconos, enquanto nas demais províncias os pastores locais examinavam em particular e a fundo o que havia a fazer» (Hist. Ecl. VI,43,2-3).

O cisma de Novaciano obrigou também a importantes assembleias sinodais, no ano 251, nomeadamente em Antioquia, e em Alexandria (Eusébio, Hist. Ecl. VI,46). Estas reuniões sinodais eram preparadas e acompanhadas por uma regular troca epistolar que ia criando as condições para o desejado consenso. Estas cartas de comunhão assumem um especial papel no exercício ordinário da igreja conciliar, funcionando como uma espécie de pré-consulta alargada.

Para resolver a atribulada questão da validade do batismo dos hereges que chegou a pôr em risco as boas relações entre a Igreja de Roma e as demais Igrejas, reuniram-se concílios em Alexandria (230), na Ásia Menor («em Icónio e Sínada e em muitos outros lugares»: Eusébio, Hist. Ecl. VII,7,5). Durante os cerca de 10 anos em que Cipriano esteve à frente da Igreja de Cartago, os concílios locais são acontecimentos regulares: por norma pelo menos uma vez ao ano. Cerca de três décadas antes, nos anos 218-222, sob o episcopado de Agripino, a Igreja de África já tinha enfrentado o problema, num sínodo de 70 bispos, no qual deliberou contra a validade do batismo dos hereges (Cipriano, Ep. 71,4,2; 3,1). Sob o episcopado de Donato, imediato antecessor de Cipriano, temos notícia de um outro sínodo de 90 bispos para tratar assuntos eclesiais (Cipriano, Ep. 71,4,2; 3,1).

Firmiliano, bispo de Cesareia, na Capadócia, e correspondente de S. Cipriano assegura-nos que também noutras localidades a prática sinodal fazia parte da vida eclesial corrente. Firmiliano, aduz em favor desta prática o facto de «a rica e divina sabedoria estar distribuída por muitos». O que aconselha a «que se cale quem primeiro fala, sempre que é revelado algo melhor a outro»; e «é, por isso que consideramos necessário reunir-nos todos os anos, sacerdotes e pastores (seniores et praepositi in unum conveniamus), para deliberar sobre o que nos foi confiado. E se há questões particularmente difíceis são resolvidas em comum acordo» (em Cipriano, Ep. 75, 4, 2-3).

Isidro Lamelas
A OPINIÃO DE
Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Tony Neves
O Gabão acolheu-me de braços e coração abertos, numa visita que foi estreia absoluta neste país da África central.
ver [+]

Pedro Vaz Patto
Impressiona como foi festejada a aprovação, por larga e transversal maioria de deputados e senadores,...
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES