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Ricardo Formigo
O Último Gigante do Século
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Nós, jovens nascidos no final do século XX e início do século XXI, fomos imensamente afortunados com o facto de podermos contar com exemplos de gigantes nas mais diversas áreas que incidem sobre a vida. No mundo do desporto tivemos o Eusébio, o Maradona, o Pelé, recentemente falecido; no mundo da música, o Michael Jackson, Whitney Houston, Elvis Presley; no mundo da fé tivemos verdadeiros testemunhos próximos de nós: o Papa João Paulo II, Don Luigi Giussani, a Irmã Lúcia. No último dia do ano de 2022, o mundo e a Igreja despediram-se do Papa Emérito Bento XVI, o último gigante na fé que viveu os horrores e as inconstâncias do século XX e que, com a sua inteligência sobrenatural, a sua perceção aguda da realidade e a sua fé firme pôde dar um testemunho vivo e verdadeiro, a todo o mundo, de quem era Jesus Cristo e por que razão era necessário ao Homem.

O Papa Bento XVI foi um homem extremamente simples, discreto, modesto, estudioso, culto, não tinha o maior amor pela confusão e por multidões, preferindo o sossego de uma biblioteca, de uma capela ou até mesmo de um mosteiro. Se olharmos para a longa vida de Joseph Ratzinger (mais de 95 anos de vida na fé), o período em que foi sumo pontífice foi muito restrito: cerca de 8 anos. Quase insignificante para uma vida tão longa e tão cheia como a sua. A História recordará Ratzinger como Papa, o primeiro alemão em quase 500 anos e o primeiro Papa a resignar em quase 600 anos, mas a sua existência ficará marcada não pelo curto (decerto significativo) pontificado, mas pelo seu serviço à Igreja, pela sua inteligência e fé extraordinárias, que dedicou os seus anos na Terra a relacionar todas as coisas com Jesus Cristo, a olhar para tudo com um olhar de fé sólido e atento, próprio de um académico.

Os próprios factos falam por si: Ratzinger não era um carreirista; havia coisas para ele mais valiosas do que o poder ou a vã glória, senão não teria resignado ao papado. O seu lema papal era “Cooperadores da Verdade” e por ela deu toda a sua vida. Este navegante da Verdade viajou um pouco por todo o mundo para dar a conhecer a fé e “manter desperta a busca da verdade e, consequentemente, de Deus, levar as pessoas a olharem para além das coisas penúltimas e porem-se à procura das últimas” (Encontro com o Mundo da Cultura no Centro Cultural de Belém, 12 de maio de 2010).

Recentemente, o Arcebispo Georg Ganswein, secretário pessoal do Papa Emérito durante quase 20 anos, desde que este último era Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, passando pelo pontificado e culminando na vida de oração e silêncio que Bento XVI levava no Mosteiro Mater Ecclesiae, anunciou numa entrevista que Ratzinger para ele tinha sido como um pai.[1] Ganswein acrescenta também que a missão e os escritos de Bento XVI, nomeadamente a sua trilogia sobre a vida de Jesus de Nazaré, tinham o propósito de testemunhar aquilo de que ele próprio estava convencido.

E como não recordar as últimas palavras de Bento XVI dirigidas ao mundo através de uma carta a propósito do relatório sobre os abusos na Arquidiocese de Munique, lidas pelo seu secretário? Proponho-as aqui na íntegra.

“Em breve me encontrarei perante o último Juiz da minha vida. Embora ao olhar retrospetivamente a minha longa vida possa ter tantos motivos de susto e medo, todavia estou com o coração feliz porque confio firmemente que o Senhor não é só justo juiz, mas simultaneamente é o amigo e o irmão que já padeceu, Ele mesmo, as minhas deficiências e, consequentemente, ao mesmo tempo é juiz e meu advogado (Paráclito). Na perspetiva da hora do juízo, como se me torna clara a graça de ser cristão! O ser cristão dá-me o conhecimento, mais ainda, a amizade com o juiz da minha vida e permite-me atravessar com confiança a porta escura da morte.”[2]

A herança que o Papa Bento XVI nos deixa, este gigante que nasceu e viveu no século XX e que nos acompanhou até 2023, durante quase um século, é a de dar as razões da própria fé, pois Aquele em quem acreditamos é também nosso amigo, irmão e advogado. Acreditamos que o Papa já está nos braços do amigo a quem entregou toda a sua vida e intelecto.

 

Ricardo Formigo, professor e coordenador do Comité Organizador Paroquial (COP) de Alverca, Sobralinho e Calhandriz



[1] https://www.benedictusxvi.com

[2] https://noticias.cancaonova.com/igreja/divulgada-carta-de-bento-xvi-sobre-relatorio-de-abusos-em-arquidiocese-alema/

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