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P. Manuel Barbosa, scj
Construir a Paz
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Acolhendo a Paz como dom de Deus, somos chamados a contruí-la, como tarefa permanente, em todos os âmbitos do nosso ser, nas famílias, nas comunidades e na sociedade. É evidente que as grandes situações de guerra e violência que nos atingem atualmente só podem ser contrariadas pela construção desse dinamismo interior de paz aberto à fraternidade.

Conhecemos os apelos urgentes do Papa Francisco para que cessem as guerras e se realize plenamente a paz, bem como o discurso que nos ofertou no Dia Mundial da Paz. Mas gostaria de acenar aqui a dois outros discursos recentes do Papa sobre esta temática.

A primeira intervenção aconteceu a 26 de novembro num encontro com os superiores gerais das congregações religiosas que, inspirados na Fratelli tutti, refletiram sobre o chamamento a sermos artífices da paz, na qual Deus nos faz sentir todos irmãos; paz que, sendo dom e nunca uma conquista da pessoa, exige ser construída e testemunhada. Acentuava o Papa: «Fazer a paz é um trabalho artesanal, a realizar com paixão, paciência, experiência, tenacidade, pois é um processo que perdura ao longo do tempo. A paz não é um produto industrial, mas uma obra artesanal. Não se realiza mecanicamente, mas precisa da sábia intervenção do homem. Não se edifica em série, apenas com o desenvolvimento tecnológico, mas requer o desenvolvimento humano. Por isso, os processos de paz não se podem delegar aos diplomatas nem aos militares: a paz é da responsabilidade de todos e de cada um».

No mesmo encontro convidava os consagrados a semear a paz com atitudes concretas de serviço, fraternidade, diálogo e misericórdia, a rezar pela paz, a ser profetas do dom da paz, a ser pontes em vez de muros, começando nas comunidades. «Quando cada um contribui, cumprindo o próprio dever com caridade, há paz na comunidade. O mundo precisa dos consagrados, também como artesãos de paz!»

A segunda intervenção decorreu a 22 de dezembro, no encontro com os membros da Cúria Romana aquando da apresentação de votos natalícios, em que o Papa convida a fazer memória do bem em gratidão, a intensificar a nossa atitude de conversão e a incentivar «a cultura da paz, que não se constrói apenas entre os povos e entre as nações; começa no coração de cada um de nós. Enquanto sofremos com o embravecer de guerras e violências, podemos e devemos dar a nossa contribuição para a paz, procurando extirpar do próprio coração toda a raiz de ódio e ressentimento contra os irmãos e irmãs que vivem junto de nós».

Inspirando-se na Carta aos Efésios (4, 31-32), o Papa coloca-nos algumas interrogações: «Quanta aspereza há no nosso coração? O que é que a alimenta? Donde nasce a indignação que muitas vezes cria distância entre nós e alimenta cólera e ressentimento? Porque é que a maledicência, em todas as suas declinações, se torna a única maneira que adotamos para falar da realidade?»

Termina com esta provocação, tão antiga e tão atual: «Se é verdade que queremos que o clamor da guerra cesse deixando lugar à paz, então cada um comece por si mesmo». Esse começar exige benevolência, misericórdia e perdão, dinamismos inspirados no referido texto de São Paulo.

Fica o convite a reler estes dois textos do Papa Francisco, que sinalizam particularmente esta dimensão interior da construção da paz, na sua evidente abertura à fraternidade e à solidariedade.

Todos somos atingidos pela criminosa guerra na Ucrânia e noutros sítios. Todos desejamos que estas guerras terminem, nem deveriam ter iniciado. Todos somos convidados a ser artífices da paz, por exigência desse dom semeado nos nossos corações. Todos somos chamados a este exercício contínuo, exigente e urgente de pensar e construir a paz, irmanados na filiação em Deus.

 

P. Manuel Barbosa, scj